O crescimento e as transformações ocorridas durante as duas últimas décadas no campo da cultura e da arte no país despertaram a atenção para a relevância da área de gestão cultural como elemento específico a ser conhecido, estudado e historiado. Desde o restabelecimento do Ministério da Cultura como órgão independente do governo, passando pela predominância do incentivo fiscal alimentada pelo período neoliberal, até os mais recentes programas federais voltados à discussão de políticas públicas de cultura, tem-se notado a necessidade da existência de mecanismos que abarquem as especificidades do setor. Especialmente quando o tema passa a ser tratado como fundamental para a economia nacional, haja vista o crescente número de indicadores culturais, fontes de financiamento, comportamentos de consumo, patrocínios etc.
Fato é que o tema movimenta hoje um surpreendente número de encontros, debates, seminários, publicações e formação de redes virtuais antes inexistentes, os quais culminam numa crescente cobrança por atitudes do poder público quanto às políticas culturais e economia da cultura. Tal cenário, além de contribuir para o adensamento dos estudos no campo da cultura, dinamiza as relações entre governo, sociedade civil, classe artística, público e universo corporativo, demonstrando de uma vez por todas que arte e cultura dependem de sustentação institucional e econômica assim como qualquer outra área.
Sob tais aspectos, o Direito apresenta-se tão importante quanto os demais alicerces característicos da área cultural. Com a ampliação e profissionalização do segmento, deixou-se para trás a intuição e o amadorismo que não prescindiam, na maioria das vezes, de atuação e prevenção no campo do Direito.
O amadurecimento do campo de trabalho em gestão cultural trouxe consigo a exigência de um maior conhecimento no campo jurídico das ferramentas de planejamento estratégico, dos instrumentos de políticas públicas, das fontes de financiamento, do gerenciamento de espaços culturais e do constante estudo sobre os temas relacionados aos conceitos contemporâneos do campo da cultura, demandando um perfil profissional específico capaz de atender aos anseios do campo de atuação dos diversos profissionais envolvidos na área cultural.
Sendo assim, pensar a cultura de maneira sistematizada e organizada também na área jurídica é essencial e taxativo no panorama atual. E não se trata tão somente de compreender a inegável importância dos chamados direitos culturais previstos em seção própria da Constituição Federal de 1988, tampouco de discutir os polêmicos direitos autorais. Mas antes e, além disso, compreender que o Direito rege o fazer cultural e artístico em inúmeros aspectos, e que a arte e o entretenimento, enquanto verdadeiros e significativos ramos da atividade empresarial, precisam se submeter aos limites legislativos.
A oferta de bens e serviços no mercado cultural passou a ficar inteiramente dependente da lapidação e sistematização de uma gama instrumental normativa correlata à área. Para que isso fosse possível, diversas ramificações do direito adaptaram-se para atender tais demandas especificas, resultando em um novo foco da atividade jurídica, já conhecido por Direito do Entretenimento Entertainment Law, consolidado em países como os Estados Unidos.
O fato de empresas já apoiarem iniciativas culturais, visando à melhoria de imagem e aos produtos que o incentivo às artes pode trazer, faz com que aos poucos surjam profissionais que farão esse tipo de intermediação, administrando os procedimentos das leis de incentivo e os eventuais ganhos advindos do patrocínio. Dentre esses profissionais, a figura do advogado é indispensável para uma maior segurança de tais atividades.
Ademais, um advogado que se especialize na área poderá fornecer aporte dos condicionamentos jurídicos, administrativos e institucionais para um manejo eficiente de negócios na área cultural, uma vez que terá conhecimento das possibilidades e dos limites do campo da cultura, tais como patrocínios na área, discernimento a respeito de bens culturais e de marketing cultural num contexto normativo econômico, além de estudos de caso nesse ramo específico.
Todos os diversos ramos do Direito se relacionam com a atividade cultural. A título exemplificativo é possível destacar aspectos pontuais de alguns deles. O Direito Constitucional abarca os direitos culturais e princípios jurídicos os quais vinculam todas as relações jurídicas entabuladas no segmento das artes. Na área administrativa tem-se a fiscalização e regulamentação das atividades e manifestações culturais, além das especificidades da aplicação de recursos públicos para pessoas jurídicas que possuem finalidade cultural. Desde órgãos estatais, passando pelas entidades do terceiro setor, até os recursos à iniciativa privada.
O Direito Tributário é o grande responsável pelas questões referentes aos incentivos fiscais via dedução de impostos, além, é claro, das peculiaridades na incidência de tributos das entidades sem fins lucrativos. Já o Direito Civil abrange as contratações de todos os tipos de bens e serviços culturais, além de reger os riscos e obrigações decorrentes de tais contratos.
Há ainda questões atinentes a relações de trabalho, direito internacional, processual, propriedade intelectual, e diversas outras que remetem à conclusão de que hoje é desejável conhecimento jurídico necessário à prática da gestão e produção cultural. Em outras palavras, um alicerce ampliado de ferramentas jurídicas localizadas nos vários ramos do direito, para que se sustente todo o leque de relações voltadas à criação, produção, distribuição, consumo e fruição de bens, serviços e atividades culturais.
Marcella Souza Carvalho, advogada, é pós-graduanda em Gestão de Projetos Culturais. Conselheira da área da Dança no Conselho Estadual de Cultura do Paraná, Conselheira do Fórum de Dança de Curitiba.
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