A propriedade intelectual no Brasil seguiu um caminho paralelo ao desenvolvimento biotecnológico moderno e tem um marco importante em 1996, quando a nova Lei de Propriedade Industrial (LPI 9.279/96), implementada logo após a oficialização do acordo TRIPS, permitiu que produtos químicos, farmacêuticos, alimentares e biotecnológicos, assim como os processos de obtenção, pudessem ser patenteados. Em 1997, a Lei de Proteção de Cultivares (9.456/97) foi sancionada, como um sistema sui generis para a proteção das variedades de plantas.
Ambas as legislações (patentes e cultivares) são independentes, mas caminham juntas para dar direitos exclusivos ao titular de novo invento ou ao obtentor da nova cultivar através da emissão da carta patente ou do certificado de proteção de cultivar. Em 2013 o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) realizou uma consulta pública sobre as novas Diretrizes de Exame de Patentes na área de Biotecnologia. Elas têm como objetivo inicial definir o entendimento atual do Inpi em relação aos pedidos de patentes dessa área.
Em relação às restrições de patenteabilidade de inovações biotecnológicas no Brasil, podemos citar os artigos 10 e 18 da LPI, que tratam das reservas ao patenteamento de invenções relacionadas a seres vivos. O artigo 42 da LPI discorre sobre o direito de exclusão do detentor da patente, o qual pode impedir terceiros de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar produtos objetos de patente, processos e produtos obtidos por processos patenteados. O entendimento do Inpi é que o país possui parte de suas diretrizes em concordância com a tendência internacional.
Temos diversas discussões em andamento sobre a extensão que deve ser dada ao entendimento desses itens da lei. No caso de processos de produção de plantas transgênicas, tem-se discutido sobre a extensão da proibição e sobre quais seriam os direitos do detentor da patente. Sabe-se que o processo pode ser passível de proteção no Inpi, desde que atenda aos requisitos de patenteabilidade.
Considerando as novas diretrizes do Inpi, vemos que não é permitido: "plantas transgênicas e suas partes não são consideradas como matérias patenteáveis pelo art. 18 (III e parágrafo único da LPI)" e "plantas transgênicas e/ou partes dessa planta constituem matérias expressamente proibidas de patenteabilidade".
As mesmas diretrizes consideram que a modificação de sequências nucleotídicas, desde que essas não tenham sido descritas previamente como sendo de ocorrência natural, "é aceitável como modificação para fins de adequação ao art 10 (IX) da LPI".
Para entender esse descompasso entre o não patenteamento de plantas transgênicas e suas partes e a permissão da proteção de sequências nucleotídicas modificadas, temos primeiro que esclarecer o entendimento do Inpi em relação às sequências nucleotídicas. Segundo as Diretrizes de Biotecnologia de 1994, as sequências não são consideradas como "parte" dos seres vivos, mas como compostos químicos, o que permite o patenteamento desde que se diferenciem daquilo que é encontrado na natureza.
Considerando que uma planta transgênica tem o seu conteúdo genético modificado por técnica de manipulação que pode ser nova, inventiva e aplicável na indústria, teoricamente é sim possível proteger o produto de processo de produção de plantas transgênicas, desde que essa se restrinja à construção gênica obtida pelo processo, sendo a construção gênica diferente do que existe na natureza. A mesma interpretação pode ser dada a outros processos de produção e produtos não naturais que apresentem modificações em suas sequências nucleotídicas.
Sabemos que, na prática, um pedido de patente só é concedido após aprovação de um examinador. O exame é um procedimento feito individualmente, e a concessão pode ser dada de acordo com a redação da tecnologia descrita e considerando a interpretação dada pelo examinador sobre o conteúdo do relatório descritivo com os elementos considerados como inovadores. A verificação dos requisitos de patenteabilidade na área de biotecnologia ainda está pouco consolidada, admitindo diferentes vertentes na interpretação da extensão da proteção dada.
Considerando que a maioria dos pedidos de patente da área biotecnológica depositados no Brasil advém de empresas internacionais, especialmente dos EUA, podemos vislumbrar cenário em que muitos desses pedidos poderão ser indeferidos nos próximos anos, dado que a redação dos pedidos traduzidos daquele país têm uma abrangência do escopo maior do que permite a legislação brasileira.
Assim, cada vez mais, podemos esperar que as empresas estrangeiras procurem por consultores de patentes industriais no Brasil para indicar possíveis adaptações que possam ser feitas no escopo reivindicado no referido pedido para adaptá-lo à legislação brasileira e suas diretrizes atuais, pelo menos em tese, aumentando a chance de concessão desse pedido.
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