Em 08/02/2012, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou um recurso que gerou grande polêmica. Decidiu que o uso de pesquisa, pela empresa, sobre a conduta pessoal do candidato a emprego nos cadastros de restrição ao crédito, como Serasa e SPC, e de pendências judiciais ou policiais não gera discriminação ilegal.
O TST manteve decisão proferida no Tribunal Regional do Trabalho da 20ª Região (Sergipe), no sentido de que a lei proíbe apenas a discriminação por sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ou seja, que decorra da condição das pessoas e não de suas condutas.
Julgou que a análise da conduta social das pessoas, com base nos bancos de dados acessíveis ao público, estaria fora da proteção legal da privacidade e da discriminação, o que permitiria ao empresário usar as informações para selecionar candidatos que, além das qualificações técnicas necessárias, também apresentem vida pregressa sem desvio dos padrões de normalidade.
O Ministério Público do Trabalho, autor da ação, defendeu a ilegalidade da consulta aos bancos de dados de restrição ao crédito e a registros policiais e judiciais, porque ofenderia o princípio da não-discriminação e violaria a intimidade e a privacidade dos trabalhadores. Embora o julgamento englobe consulta aos registros policiais e judiciais, esta análise limitar-se-á aos cadastros de restrição ao crédito.
Independente de como se interpretem os artigos de lei envolvidos, a polêmica reside essencialmente no bem jurídico a ser protegido. A Constituição Federal garante tanto o direito à propriedade, ao lucro e à livre iniciativa, em defesa da empresa, como o direito de acesso ao trabalho e sua valorização e, principalmente, proíbe qualquer atitude discriminatória para acesso ou manutenção do emprego. São todos direitos fundamentais do empregado e do empregador.
Para se atingir o ideal de justiça na aplicação desses direitos, entretanto, deve-se ponderar os valores em discussão, ou seja, é preciso compatibilizar os interesses das partes, sem excluir totalmente o direito de nenhuma delas.
É inquestionável que o pagamento de dívidas contraídas é importante à vida em sociedade, pois a inadimplência provoca insegurança social e, entre outros efeitos práticos, aumento de juros, o que dificulta o acesso ao crédito a todos.
Porém, atribuir a responsabilidade pelo custo desse crédito apenas ao trabalhador que não conseguiu pagar a prestação de um bem de consumo, uma geladeira, por exemplo; enquanto instituições financeiras exibem lucros bilionários por cobrança excessiva de juros e também são devedoras potenciais muitas vezes de débitos trabalhistas , sem as mesmas consequências; parece não atender aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que devem nortear a conduta das pessoas e empresas, e principalmente, as decisões judiciais.
Pessoas que não honram seus débitos são incluídas em bancos de devedores, acessíveis ao público, para que sejam forçadas a pagar e para alertar outros negociantes. Na prática, porém, o critério é usado para medir o grau de "honestidade" do candidato ao emprego, como se viu na decisão judicial.
Como em toda generalização, é equivocado afirmar que todo devedor seja desonesto. É possível, sim, algumas pessoas gastarem propositalmente mais do que podem, mas é comum que o trabalhador que passe por situação de desemprego ou problema familiar tenha dificuldades financeiras e, por não dispor de outra forma de renda, deva escolher entre pagar suas dívidas ou alimentar a família.
Ele buscará trabalho justamente para poder saldar seus débitos. Seria correto negar-lhe o direito ao emprego, pelo único fato de ser devedor, mesmo que fosse tecnicamente igual ou mais apto que um concorrente?
Cadastros de devedores não indicam o motivo pelo qual a pessoa não pagou sua dívida. É impossível concluir, de imediato, se foi por desonestidade ou pela necessidade de, por exemplo, custear algum tratamento médico, próprio ou de familiar.
Nessa situação, impedir o acesso ao emprego cria um ciclo vicioso, que conduzirá o trabalhador à exclusão do mercado consumidor e à combatida informalidade, em desarmonia com o objetivo da República de se construir uma sociedade livre, justa e solidária e de promover o bem de todos, sem qualquer forma discriminatória.
A questão central, portanto, é saber qual valor prevaleceu na decisão do TST e qual deveria ter prevalecido: a proteção social do trabalho e da pessoa humana, trabalhador, ou a tutela dos direitos e do poder econômico? O caro leitor certamente tirará as suas próprias conclusões.
Guilherme Seiti Suguimatsu, pós-Graduado em Direito do Trabalho pelo Unicuritiba