A velha máxima "cada cabeça, uma sentença" estará com os dias contados? Evolui-se em sentido oposto, ou seja, casos iguais exigem decisões iguais. Como explicar ao leigo que o João ganhou causa idêntica à do Pedro e este perdeu?
Deveras a evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial caminha no sentido de que casos iguais devem receber decisões iguais, em atenção aos princípios constitucionais da isonomia e da legalidade, assim como do prestígio do próprio Poder Judiciário.
Vieram as reformas e inseriram-se regras de recursos repetitivos (CPC, art. 543-C); possibilidade de julgamento antecipado pela improcedência do pedido inicial de causas repetitivas, sem citação do réu (CPC, art. 285-A) e súmula vinculante, tudo com o escopo de que os casos iguais sejam decididos de maneira uniforme.
Agora a jurisprudência deu um grande salto com a decisão do STJ (Resp 928.302/DF em voto vista do ministro Teori Albino Zavascki), no sentido de permitir a ação rescisória de julgado que contraria decisão do STJ em recurso repetitivo, embora na época a jurisprudência nos tribunais ainda não fosse uniforme, mitigando a aplicação da vetusta Súmula 343/STF, que remonta ao ano de 1963, ou seja, com 50 anos e aprovada sob a égide da Constituição Federal de 1946. Assim, pode-se verificar que a súmula em epígrafe não está em consonância com a Constituição Federal de 1988, que demonstra grande preocupação com os princípios da isonomia e da legalidade (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sobre a Súmula 343. Revista de Processo. Vol. 86. Abr/1997. p. 148).
Afirma o ministro Teori Albino Zavascki em seu voto-vista que: "a manutenção da súmula 343 constitui, como se pode perceber, um significativo empecilho ao desempenho integral das funções institucionais do STJ. Deve, portanto, ser afastado. Assim, independentemente de eventuais divergências interpretativas no âmbito de outros órgãos judiciários, deve ser considerada como ofensiva a literal disposição de lei federal, para efeito de rescisória, qualquer interpretação contrária à que lhe atribui o STJ, seu intérprete institucional. (...) Ora, não há como negar que a súmula 343 e a doutrina da tolerância da interpretação razoável nela consagrada têm como resultado necessário a convivência simultânea de duas (ou até mais) interpretações diferentes para o mesmo preceito normativo e, portanto, a cristalização de tratamento diferente para situações iguais. Em outras palavras, ele impõe que o Judiciário abra mão, em nome do princípio da segurança jurídica, do princípio constitucional da isonomia, bem como que o STJ, em nome daquele princípio, também abra mão de sua função nomofilácica e uniformizadora, de intérprete oficial da lei federal, permitindo que, objetivamente, fique comprometido o princípio constitucional da igualdade".
Insta salientar que não se pode invocar a segurança jurídica, com base na coisa julgada, a fim de afastar a ação rescisória. Se a coisa julgada se formou com vício, violando os princípios da legalidade e da isonomia, uma vez que decidiu de forma contrária à interpretação consolidada pelos tribunais superiores, significa prestigiar uma decisão injusta e incorreta, proferida em momento em que, ainda, vacilava a jurisprudência dos tribunais, como ensinam Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina (O Dogma da Coisa Julgada, RT, 2003, p. 61-72).
No mesmo sentido ensinam Rodolfo Camargo Mancuso (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4 ed. Editora RT, 2010. p. 305-306) e José Henrique Mouta Araújo (Processos repetitivos e o desafio do judiciário: rescisória contra interpretação de Lei Federal. Revista de Processo. Vol. 183. Maio/2010. p. 145).
O STF também afastou a aplicação da Súmula 343/STF quando a manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação constitucional revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade da norma constitucional (RE-AgR 328.812 Rel. Min. Gilmar Mendes) e ao decidir os embargos de declaração no mesmo recurso afirmou: "cabe ação rescisória por ofensa à literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo STF". (RE-ED 328.812).
O TJPR, pela 2ª Câmara Cível, em decisão recente, em que fui relator, por maioria, julgou procedente ação rescisória n. 1.014.241-1, de Pato Branco, referente à questão tributária, que objetivava rescisão de sentença proferida, enquanto ainda vacilava a jurisprudência sobre o tema e pacificada pelo STJ em momento posterior, mas em tempo hábil do ajuizamento da rescisória.
Em conclusão pode se afirmar que é mais um passo que a jurisprudência de nossos tribunais dá no sentido de uniformizar os julgados e evitar decisões diferentes para casos iguais. Assim, Pedro não tem que reclamar porque João ganhou e ele perdeu. É de interesse da comunidade e do próprio Poder Judiciário que as decisões sejam iguais em casos iguais. Não se concebe mais nos dias de hoje decisões diferentes para casos iguais.