Após o colapso representado pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), passou-se a verificar a insuficiência dos Direitos nacionais e do próprio Estado soberano para a manutenção do mais básico dos direitos fundamentais: a paz. Não bastassem a desarticulação política e o derramamento de sangue da Primeira Guerra, outros eventos de triste memória mostraram ao mundo a necessidade de se criar uma nova sociedade internacional, mais ativa; advieram então os fatos históricos do crash da Bolsa de Nova York (1929), a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e o holocausto nela ocorrido, a expansão da União Soviética – não menos violenta – de Joseph Stalin, as ditaduras de Franco (Espanha) e Salazar (Portugal), e, por fim, os regimes de exceção no Brasil e em outros países da América Latina. A paz – em particular – e os Direitos Humanos – em geral – regrediam em pleno tempo de crescimento industrial, coincidência paradoxal porque, enquanto as economias avançavam, o próprio Direito estatal se mostrava míope, atrasado, egoísta, provinciano e insuficiente para acompanhar as novas situações da uma sociedade global altamente tecnológica em que os Estados mais poderosos se sobrepunham aos mais acanhados econômica e militarmente.

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Os eventos históricos acima mencionados são apenas alguns dos que fizeram do século 20 aquele em que se testemunhou uma pujança econômica jamais vista versus morte em massa, guerra, pobreza, fome e desrespeito às liberdades individuais como espécie e aos direitos fundamentais como gênero. Não foi por outra razão que o mesmo século apresentou uma solução alvissareira alternativa, pois foi também o tempo em que se multiplicaram as organizações internacionais, a começar pela Organização Internacional do Trabalho, depois pelas Nações Unidas, pela Organização dos Estados Americanos, a União Europeia e o Mercado Comum do Sul (Mercosul).

Os direitos humanos também superaram as fronteiras e os dogmas do Estado nacional e passaram a ser protegidos internacionalmente; eles são hoje em dia – no Direito Constitucional Internacional – os verdadeiros jus cogens (normas imperativas de Direito Internacional). E tais direitos não ficaram somente nas pranchetas dos arquitetos jurídicos de uma nova ordem mundial; eles realmente se efetivaram por significativos instrumentos jurídicos, tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948), a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Conselho da Europa, Roma, 1950), o Pacto de São José da Costa Rica (OEA, 1969), a Carta Africana de Direitos Humanos (1981) e a Carta Europeia de Direitos Fundamentais (Nice, 2000).

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Com o evento da Queda do Muro de Berlim, a cooperação jurídica internacional se tornou um imperativo do mundo novo, e isso se refletiu igualmente na economia (FMI, Banco Mundial, OMC). E, a partir da consideração de que o próprio Direito já se cosmopolitanizara, foros jurisdicionais internacionais permanentes também se concretizaram com a Corte Internacional de Justiça, a Corte Europeia de Direitos Humanos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Tribunal Penal Internacional.

Na realidade da União Europeia, conseguiu-se superar dois paradigmas da "velha" modernidade do século 18: o primeiro foi a adoção de uma moeda comum, o Euro; o segundo foi a supranacionalização de uma cidadania para além daquela do Estado-nação membro da União Europeia.

Apesar da não adoção do Euro por uma potência como o Reino Unido, da crise econômica que afetou a União Europeia e os seus países de economia mais acanhada, a moeda comum é a "representação monetária" da globalização econômica que já vinha se verificando, sendo possível se afirmar sem medo que, quanto à Europa, "ruim com Euro, pior sem Euro". Quanto à cidadania supranacional europeia, deu-se o seguinte: os nacionais dos 28 Estados-membros da União têm livre circulação nos territórios desses Estados componentes do conglomerado, e neles podem trabalhar, votar (nas eleições locais e para o Parlamento Europeu) e se aposentar, de modo que, entre os 28, o português foi equiparado ao alemão, este ao francês, e assim por diante.

Por fim, curioso notar que até as contas públicas de um país não são mais fiscalizadas somente com base numa normativa doméstica positivada pelo Estado nacional isolado, e as razões para assim pensar são simples e são três: na União Europeia há um procedimento (internacional e comunitário) de cooperação jurídica no controle das contas e finanças dos seus 28 países-membros; no Brasil queremos ser os pioneiros na doutrina da observância da normativa internacional – principalmente aquela atinente aos Direitos Humanos – também pelos Tribunais de Contas; o Direito Internacional e a cooperação internacional nos apetecem em termos de difusão e de aprofundamento científicos de um Direito vocacionado "À Paz Perpétua" pensada por Immanuel Kant.

Alexandre Coutinho Pagliarini, pós-doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa, é advogado e professor universitário no Brasil, em Portugal e na França.

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