Tempos atrás, refletia eu sobre as capacidades humanas. Há pessoas que têm a capacidade de falar e compreender diferentes idiomas, outras que são gênios da matemática, algumas que conseguem executar diversas atividades ao mesmo tempo, de maneira brilhante em cada uma delas. No entanto, uma das habilidades humanas em especial é que me despertava (e ainda desperta) a atenção: a de acreditar. Sim, essa é, sem dúvida, uma capacidade do ser humano. E explico.

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Notícias das mais absurdas são trazidas pelos jornais, outras não menos chocantes são multiplicadas em velocidade ímpar nas redes sociais e nos aplicativos de celular. Vivemos num mundo em que pai é condenado por matar filha, lançando-a da janela; em que filha é homicida dos seus genitores com o intuito de ficar com a herança; em que vidas são tiradas em rituais macabros como sinais de oferendas ou sacrifícios; em que criança morre após ser colocada de castigo em máquina de lavar roupas; em que estudantes adolescentes invadem escolas e atiram em seus próprios colegas. Nos cadernos policiais, somos surpreendidos por acontecimentos violentos, desarrazoados ou despropositados.

Diante de tudo isso, uma primeira reação, absolutamente natural em decorrência da indignação que cada atitude acima exemplificada gera, é a de não acreditar. Justamente, tendemos a crer que o ser humano não poderia chegar a tanta maldade. E, quando constatada a veracidade dos fatos, vem então a reflexão: é uma capacidade humana, dificilmente administrada, conseguir acreditar em tudo isso.

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Chocam-me as notícias violentas. Desde aquelas em que há o grito do terror, como também aquelas em que há o silêncio da falta de amor. Desde os homicídios até os abandonos. Desde os latrocínios até o "tapar de olhos" social dos que "tropeçam" em moradores de rua sem interiorizar o aspecto dramático da situação. Desde os roubos até a completa ausência de afeto suportado por uma criança. Desde os estupros até a falta de respeito com uma pessoa idosa. A indignação ativa é forma necessária para refutar essa acomodação. Não é possível imaginar uma sociedade melhor se os indivíduos tratam como normal uma circunstância que não se adjetiva dessa forma. A humanidade está carente da própria humanidade. E é preciso, ao menos, parar para refletir sobre tudo o que está ocorrendo a nossa volta.

Não menos aterrorizantes são as recentes notícias acerca das decapitações de presos. O que leva um ser humano a cortar a cabeça de outro? É um ato de tamanha violência, que num primeiro momento tenho a tendência de não acreditar. Talvez na falsa esperança de que poderia não ser verdade dentro do Estado Democrático de Direito em que vivemos, no qual o princípio da dignidade da pessoa humana é insculpido como fundamento da nossa República já no artigo 1º, inciso III, da Constituição de 1988. E ele vale para todos, independentemente de onde se encontrem em nosso país.

Cortar a cabeça leva a uma representatividade de retirar do ser humano, como significação aos demais, a sua capacidade de racionalidade. O ser que pensa só é pensante na medida em que possui o objeto símbolo da razão. Mas ouso afirmar: a falta de razão não permanece somente com o que morto foi, mas remanesce nos autores dessas ações. O símbolo da força é a ausência de razão, pois representa exatamente a linha na qual se esgotam os argumentos.

Direitos todos possuem. Tanto os que estão no sistema penal quanto os que estão fora dele. Certamente o discurso de "direito penal do inimigo" não tem acolhida em nosso democrático ordenamento jurídico.

Mas a mesma lógica que utilizo para questionar o ato dos linchadores é a que uso para rebater tais decapitações (com o que quer que elas representem – declaração de força? Demonstração de poder? Recado à sociedade? Exemplo de humilhação e subjugação? Forma de intimidação ou protesto? Troféu da barbárie?). Seja como for, com qualquer dessas significações, a indagação lógica é: o que faz do ato do linchador um ato de ser humano melhor do que o do linchado? Passa ele a ser tão criminoso quanto, deveras pior. Como pode o linchador exigir justiça se ele tenta, num país em que o Estado tem o monopólio do direito de punir, fazer a sua "justiça" com as próprias mãos? Como pode o que decapita ter qualquer razão se o uso da força acaba de lhe retirar qualquer argumento? Como pode tentar exigir direitos se, para isso, arranca do próximo, literalmente, a cabeça? É um paradoxo de fundamento, pois constitui uma degola na dignidade do outro, enquanto se a quer e exige para si.

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Decapitando ou não, seus direitos permanecem, como a qualquer processado criminalmente no Brasil. Aqui vige o direito penal do fato, e não o direito penal do autor. Pune-se alguém pela conduta perpetrada, devidamente provada, e não pelo que ele é como pessoa. E não se está argumentando pelo contrário. O que se pretende é questionar: que razão pode existir na completa falta de racionalidade?

Arrancar, literalmente, cabeças alheias é mostrar-se, metaforicamente, vítima do próprio ato.

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