Defino Direito Constitucional (DC) como sendo o conjunto de normas-regras e de normas-princípios que constituem a comunidade política estatal (tradicionalmente esta) e que proclamam os Direitos Humanos, propiciando a garantia destes. Já o Direito Internacional Público (DIP) por mim é definido como sendo o conjunto de normas costumeiras, pactícias ou principiológicas que criam, modificam ou extinguem fatos juridicamente relevantes (Direitos) no sentido de estruturar a comunidade política internacional e proclamar e garantir nesta comunidade os Direitos Humanos Fundamentais. Alguma semelhança entre as definições? Resposta: muitas! As semelhanças, sobre elas algo será escrito ao final deste artigo.

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Diferença importante há, contudo, entre DIP e DC. O DIP tem-se baseado na regra pacta sunt servanda (impõe-se o cumprimento do que se pactua). Desta forma, tem sido corriqueiro analisar o DIP sob a ótica do consentimento. De fato, numa avença internacional as normas somente incidirão no campo existencial dos Estados que a ratificaram. São a pacta sunt servanda e a tese do consentimento que fizerem Hans Kelsen classificar o DIP como primitivo e descentralizado: primitivo porque nele a represália é imposta pelo próprio Estado que sofreu uma transgressão (olho por olho, dente por dente); descentralizado porque as normas de DIP só incidem sobre os Estados que fizeram parte num tratado internacional. Tal raciocínio leva a uma conclusão: o Direito dos tratados internacionais representa o Direito Internacional particular (incidente somente sobre os Estados que pactuaram); e nisso, o DIP não guarda nenhuma semelhança com o DC uma vez que este contém regras estruturantes de um dado Estado e proclamadoras de Direitos Humanos no território inteiro deste mesmo Estado. Portanto, o DC é sempre o Direito geral do Estado que promulgou a Constituição, seja ele unitário, federal ou uma confederação; por exemplo: o DC português incide em todo país.

Acontece que o DIP não contém somente regras provenientes de tratados internacionais (normas escritas ratificadas): segundo o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (ECIJ), as espécies normativas que os juízes da Corte da Haia devem aplicar nos casos concretos também são — além dos (i) tratados internacionais — o (ii) costume internacional (como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito), os (iii) princípios gerais de direito (reconhecidos pelas nações civilizadas), e, sob ressalva da disposição ao art. 59 do ECIJ, também (iv) as decisões judiciárias e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. Dentre as espécies normativas supranumeradas nos subitens ii, iii e iv, as principais são o costume e os princípios, os quais constituem o que se pode chamar de Direito Internacional geral, e este se assemelha indubitavelmente ao DC por ter as pretensões de incidir sobre os Estados, e, consequentemente, as mulheres e os homens da inteira comunidade internacional vista como um todo-global — como se o mundo fosse um só país-mundo.

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No DIP, as suas normas sempre serão superiores às nacionais — é assim que deve considerar um juiz internacionalista e um bom estudioso da Teoria Geral da Norma. Mas há as constituições, e cada qual escolhe a sua opção hierárquica quanto ao DIP. Daí ocorre uma questão que intriga: a da superioridade hierárquica neste embate entre o particularismo (do Estado soberano) e o universalismo (do DIP). Neste sentido, há duas posições a que se pode aderir. A internacionalista pura (o DIP na comunidade internacional); ou a constitucionalista (o DIP no Brasil — a partir da CF/88). Nesta questão da hierarquia, cada vez mais adiro à tese internacionalista pura (teoricamente menos dada ao egoísmo particularista).

Tanto o DC quanto o DIP em algum momento disporão normativamente sobre o tema organizacional: o DC cuidará da estruturação do Estado – ou seja, da pólis; o DIP se ocupará da estruturação da comunidade internacional – da cosmópolis. O DC "Estruturante" é composto por aquelas normas magnas que fizeram da Espanha um Reino, dos Estados Unidos uma federação e da França um país em que o controle de constitucionalidade é feito pelo Conselho Constitucional. O DIP "Estruturante" veicula normas que estabelecem um órgão responsável pela paz no mundo (a Organização das Nações Unidas), pelo comércio (a Organização Mundial do Comércio) e pelo julgamento dos países que atentarem contra a paz (a Corte Internacional de Justiça). Nota-se aqui, então, que ambos – DC e DIP – encontram importante ponto de convergência: um enquanto estruturante da pólis (o DC, pela Constituição) e outro enquanto estruturante da cosmópolis (o DIP, pelas normas internacionais). Claro fica aqui que por pólis se deva entender Estado nacional, e por cosmópolis a comunidade internacional.

O ponto nevrálgico de encontro entre DC e DIP não é o das estruturações, mas sim o da positivação de normas humanitárias. Ora, o DC escrito nasceu no século XVIII para estruturar o Estado e para definir e garantir os Direitos Humanos no Estado. O DIP, por sua vez, é composto por normas estruturantes da comunidade internacional e definidoras – nesta comunidade internacional – dos Direitos Humanos. Este meeting point normativo tem nome: Direito Constitucional Internacional; é este o Direito do presente e o do futuro.

Alexandre Coutinho Pagliarini, pós-Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa, é professor titular no Mestrado e na Graduação da UNIT (Aracaju/SE). Professor Titular na FITS (Maceió/AL). Presidente da Semana Franco-Lusófona de Direito Constitucional. Diretor de Relações Internacionais do IDCC (Instituto de Direito Constitucional e Cidadania).