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O direito nunca vai suplantar a criação, pois ele é produto dela. Vale lembrar, que uma lei, para se concretizar, deve ser fruto legislativo, ou seja, passar por uma digestão, que muitas das vezes, não corresponde ao verdadeiro anseio do segmento jurisdicionado. Por esse motivo é que, sem sombras de dúvidas, é preciso uma nova Lei de Direitos Autorais para substituir a Lei nº 9610/98, que a meu ver, trata-se de apenas uma mera contrafação da Lei nº 5988/73, com alguns poucos arremedos para parecer coisa diversa. Se assim pensarmos, ao invés de 14 anos de lei, estamos carregando, na verdade, 39 anos, o que reforça categoricamente dizer que a atual Lei é obsoleta.

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É bem verdade que a Lei em vigência contempla, de certo modo, conceitos de tratados internacionais, dos quais nosso país é signatário. A nossa Lei, porém, poderia ir muito além, trazendo inovações. Mas vale recordar que, para muitos, é mais cômodo mantê-la nos padrões atuais, pois uma mudança poderia prejudicar indelevelmente a situação das áreas que demandam execução, principalmente quando falamos da legião dos órgãos de gestão coletiva, os quais imperiosamente deveriam sofrer maior regulamentação específica.

E é justamente essa comodidade a marca da atual gestão do Ministério da Cultura, que "engessou" de vez qualquer esboço de mudança, retrocedendo posicionamentos e estagnando a matéria.

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No caso da área das artes visuais, a nova Lei especificamente poderia albergar as seguintes situações:

a) a necessidade de uma regulamentação específica da obra derivada advindas da releitura, colagem e refundição;

b) a utilização de critérios jurídicos mais nítidos para a caracterização do plágio, como aplicação da inversão do ônus da prova para beneficiar a parte que possui o registro da obra, dando assim maior relevo à existência de registro prévio;

c) a previsão automática para que a cessão de direitos autorais retorne patrimonialmente aos familiares do autor de artes visuais falecido, caso não haja previsão específica contratual em contrário;

d) no caso de falecimento, a extensão para familiares do direito irrenunciável e inalienável do autor, de perceber, no mínimo, cinco por cento sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda de obra de arte ou manuscrito, sendo originais, que houver alienado, inclusive às obras de domínio público e/ou tombadas;

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e) a criação de critérios da figura do "tombamento de obras de arte visuais", de forma a preservar divisas e o turismo cultural, dando a preferência de aquisição à União;

f) a necessidade de classificação das imagens de obras que não estejam mais protegidas pela Lei de Direitos Autorais, para livre utilização pela população, em especial na educação e difusão das artes visuais e sua história;

g) a criação de uma instância administrativa especializada para atuar na resolução de conflitos no campo dos Direitos Autorais, como referência externa;

h) o retorno do Conselho Nacional de Direito Autoral, com atribuição de fiscalização do Escritório Central de Arrecadação e de fixação do valor de taxas referentes à arrecadação e distribuição de direitos.

Veja-se que a liberdade impingida pela lei, sem nenhuma interferência estatal, mesmo que mínima, provoca inúmeras distorções e acaba dilacerando a função social dos direitos autorais.

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E é justamente da necessidade de supressão de lacunas, que se faz necessária a criação de um Conselho Nacional, com respeitabilidade e credibilidade para suprir, inclusive, normas em branco, as quais reputo: corpos sem almas.

Mais especificamente, quanto às artes visuais, o modelo proposto de gestão coletiva deve ser redesenhado para ser exercido com discernimento social, papel relevante que só encontrará plenitude através da interferência de um Conselho formado não só pelo Estado, mas pelos próprios segmentos de criação cultural, até para que não haja distorções grosseiras do tipo cobrar pedágio autoral dos blogs da internet, das quermesses das igrejinhas, festejos das associações de moradores, ou ainda cercear estudantes de terem acesso à cultura em seus livros didáticos.

Primeiro porque a Lei atual não engloba as criações de imagens em seu artigo 99 – talvez pelo fato de terem um tratamento diferenciado de execução. Segundo, porque a gestão coletiva não se resume a um banco de dados de clientes formados para interposição de ações, principalmente referente a artistas alienígenas por meio de convênios, como vemos da prática da "Associação AUTIVIS", longa manus do "ECAD", situação que veladamente muito se assemelha a chamada captação de clientela.

Enfim, ao mesmo tempo em que a própria área cultural, no caso as artes visuais, sempre se renova, seja pela técnica, suportes, conceitos e pontos de vista, faz-se necessário que a Lei também possa acompanhar essa evolução, sob pena de se chocar contra a própria criação.

Luiz Gustavo Vardânega Vidal Pinto, advogado, presidente da Comissão Cultural da OAB-PR, membro do Colegiado Setorial de Artes Visuais do Ministério da Cultura e do Conselho Consultivo do Sistema de Museus do Paraná.

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