A polêmica Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), responsável por alterar a disciplina de inelegibilidades da Lei Complementar (LC) 64/90, foi inicialmente aplicada às eleições de 2010. Muitos registros de candidaturas foram indeferidos com fundamento em novas hipóteses de inelegibilidade previstas nesta reforma da LC 64/90. Não obstante, terminada a eleição, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o RE 633703 em março de 2011, decidiu que a aplicação da Lei da Ficha Limpa às eleições de 2010 feria o princípio da anualidade. Trata-se do artigo 16 da Constituição Federal (CF), responsável por garantir o intervalo mínimo de um ano entre a vigência e a aplicação de leis que alterem o processo eleitoral. Embora correta a decisão, é preciso reconhecer que não foi apropriado que a decisão tenha vindo apenas no ano seguinte à eleição. O fato é que o resultado eleitoral de 2010 acabou alterado pela decisão do Supremo, por uma particularidade abordada neste artigo: os candidatos com registro indeferido seguem na disputa eleitoral até decisão final.

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Com a antecedência necessária, em fevereiro de 2012, as controvérsias em torno da constitucionalidade foram resolvidas. Por maioria de votos prevaleceu no Supremo o entendimento pela constitucionalidade das inovações e foi autorizada a aplicação para alcançar fatos ocorridos antes da vigência da LC 135/2010. De lado os aspectos polêmicos e questionáveis da decisão, foi importante que o Supremo tenha decidido o tema com boa antecedência em relação às próximas eleições municipais. A confirmação da constitucionalidade da lei pelo STF, no entanto, não elimina todas as controvérsias em torno das novas hipóteses de inelegibilidade. O que resta de controvertido vai ser resolvido na análise do caso concreto, ao momento do registro das candidaturas.

A existência de pontos controvertidos em torno da reformulada disciplina das inelegibilidades pode comprometer a segurança jurídica do processo eleitoral. A Lei 12.034/2009 acolheu previsão que já vinha sendo repetida em resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) há algum tempo: "o candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha" (novo art. 16-A da Lei 9.504/97). É dizer: candidatos que estão com o registro indeferidos podem concorrer e, eventualmente, vencer as eleições sem que haja uma decisão final sobre a legalidade do registro. Foi exatamente o que aconteceu nas eleições de 2010 com os candidatos inicialmente barrados pela aplicação prematura (definiu depois do STF) da Lei da Ficha Limpa. É o que deve ocorrer agora em 2012 nos casos de registros indeferidos com fundamento em inovações (de interpretação controvertida) da Lei da Ficha Limpa. Haverá uma série de candidatos provisórios. E os candidatos provisórios podem fazer campanha e efetivamente vencer as eleições (como está no mencionado art. 16-A da Lei 9.504/97), mas não podem tomar posse (ou receber o diploma). Trata-se de situação inusitada e incompreensível para o eleitor médio.

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Merecem registro dois pontos que devem provocar o nascimento de muitos candidatos provisórios. A Lei da Ficha Limpa tornou potencialmente inelegíveis os condenados por improbidade administrativa em decisão colegiada. Nem todas as condenações por improbidade, no entanto, se subsumem a esta nova hipótese de inelegibilidade (prevista no art. 1º, I, "l" da LC 64/90). Enfim, há condenados por improbidade que não ficam inelegíveis. Reconhece-se alta margem de sindicabilidade à Justiça Eleitoral para analisar se a condenação da justiça comum atrai (ou não) o impedimento ao registro. Idêntico dissenso jurisprudencial é de se esperar na aplicação da reformulada inelegibilidade decorrente da reprovação de contas pelos Tribunais de Contas (nova alínea "g", I, art. 1º da LC 64/90). Não basta ter as contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas; a inelegibilidade fica condicionada à existência de ato doloso de improbidade administrativa – o que será reconhecido (ou não) apenas pela Justiça Eleitoral, no momento do registro das candidaturas.

Os princípios da celeridade e da efetividade têm especial aplicação no Direito Eleitoral. Não é por acaso que os recursos não possuem efeito suspensivo (art. 257 do Código Eleitoral). Entre o pedido de registro de candidatura e a eleição há um intervalo de apenas três meses. E todos os pedidos de registros (assim como as ações de impugnação) devem estar julgados antes da eleição. Com a alta margem para divergência em torno dos novos dispositivos da Lei da Ficha Limpa será alto o número de candidatos provisórios, amparados por um indesejável dispositivo que mantêm indiscriminadamente na disputa todos os candidatos com registros negados. O indeferimento do registro deveria impedir imediatamente a continuidade da campanha. Eventuais equívocos poderiam ser corrigidos com a atribuição de efeito suspensivo ope iudicis (na análise do caso concreto). A legitimidade das eleições de 2012 corre este risco.

Luiz Fernando Pereira, doutor e mestre pela UFPR, professor de Processo Civil e Direito Eleitoral, presidente do Iprade e da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-PR