De tempos em tempos, a História brasileira insiste em se repetir. Lamentavelmente, nem sempre essa repetição traz consigo as boas lembranças do passado. Vamos rememorar algo ocorrido exatos setenta e três anos atrás, a fim de tentar compreender o que foi aprovado na semana passada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. A memória nos remete à ditadura do Estado Novo e à Carta de 1937.
Inspirada no fascismo europeu, a Carta de 1937 foi o diploma autocrático que revogou a Constituição de 1934 e instituiu regime em que o Presidente da República era a "autoridade suprema do Estado" (art. 73). A bem da verdade, pode-se dizer que a Carta não foi aplicada, pois entre ela e o regime do Estado Novo havia, na expressão de Afonso Arinos de Melo Franco, um "fosso intransponível". O texto foi redigido para ser usado quando melhor conviesse à "autoridade suprema". Pois uma das peculiaridades da Carta de 1937 estava em seu art. 96, mais especificamente no parágrafo único desse dispositivo.
O art. 96 tratava do controle de constitucionalidade das leis pelo Judiciário; enquanto que o seu parágrafo único dispunha que, se a lei declarada inconstitucional fosse, "a juízo do Presidente da República", "necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta", poderia ser novamente submetida ao Parlamento e que, "se este a confirmar", "ficará sem efeito a decisão do Tribunal". Isto é, a lei declarada inconstitucional poderia ser de novo votada e promulgada, como se constitucional fosse. O controle de constitucionalidade das leis foi tornado mero enfeite, um adereço sem importância na mesa da separação dos poderes. Quem poderia dizer se a lei era (ou não) constitucional, era o seu próprio criador: o Poder Legislativo.
Pois esse dispositivo foi, ao menos uma vez, efetivamente aplicado. Em 1939, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucional a lei sobre o imposto de renda. Como o Legislativo havia sido dissolvido no golpe do Estado Novo, o presidente exerceu sua auto-atribuída capacidade legiferante e editou outro decreto-lei, declarando que a decisão do Judiciário não consultava o interesse nacional e que, por isso mesmo, continuava em vigor a lei recentemente declarada inconstitucional. Este fato tornou irrelevante e impertinente o controle judicial de constitucionalidade: de nada ele valeria se não agradasse aos humores da "autoridade suprema".
Hoje, a toda evidência, o cenário é outro. A democracia humanista instalada pela atual Constituição impede que se pretenda o retorno a esse passado sombrio da autocracia brasileira. Não mais se pode cogitar de arroubos antidemocráticos como aqueles que subverteram o princípio da separação dos poderes há mais de setenta anos. Para que não haja dificuldades ou objeções, a norma constitucional do art. 60, § 4º, inc. I, é clara: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir [...] a separação dos Poderes." Ou seja, nem sequer pode ser posta em debate a proposta que tenha vocação para suprimir o princípio da separação de poderes. Todavia, nem tudo são flores. Afinal, o ocorrido na semana passada faz parecer que a CCJ da Câmara dos Deputados não conhece nem a História nem a Constituição do Brasil.
Na quarta-feira, dia 25 de abril, a CCJ aprovou por unanimidade um projeto de emenda constitucional que autoriza o Congresso Nacional a "sustar os atos dos outros Poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa". O que se pretende com isso? Que o Legislativo possa sustar aquelas decisões do Poder Judiciário como nos recentes casos da lei da ficha limpa; dos efeitos da união estável nas relações homoafetivas e da interrupção de gravidez dos fetos anencéfalos que tenham efeitos normativos.
A proposta estabelece que, a juízo exclusivo do Congresso, pode-se subtrair efeito a determinadas decisões do Judiciário que digam, de modo geral e abstrato, como a norma constitucional deve ser lida e aplicada nos casos concretos. Isso significa esvaziar por completo a competência jurisdicional do controle de constitucionalidade das leis atribuindo-se a "última palavra" ao Poder Legislativo. O que significa dizer que, lamentavelmente, alguns dos nossos parlamentares pretendem voltar aos tempos de ditaduras pretéritas, em que não só se subtraía do Poder Judiciário o poder de interpretar e aplicar a Constituição, mas igualmente se prestigiava um "fosso intransponível" entre a norma e a realidade constitucional.
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