Ao ler o bem escrito artigo publicado na Gazeta do Povo, de autoria de Alexandre Coutinho Pagliarini e intitulado "Ditadura dos juízes: as desculpas do "direito alternativo" e do "direito natural" me veio à mente o questionamento sobre a existência efetiva dessa chamada "ditadura dos juízes".
A questão central das afirmações do tipo "ditadura da toga" ou "império dos juízes" decorre de uma, em meu sentir, equivocada interpretação de que o Judiciário não exerce a representação popular, pelo único e exclusivo fato de não ter os seus membros eleitos pela população.
Com efeito, Robert Alexy defende que a representação popular há de ser analisada sob dois prismas, o da representação política, esta sim exercida por meio de representantes eleitos pelo princípio majoritário ou proporcional, e a representação argumentativa, que cabe ao Poder Judiciário (seja o Supremo Tribunal Federal, seja o juiz singular), que exerce também a representação popular, contudo, exerce como instância de reflexão da representação política.
E qual o motivo pelo qual o Poder Judiciário, quando afasta a aplicação de uma norma legitimamente votada pela maioria, também estar exercendo a soberania popular? Pelo simples fato de que o exercício da democracia não pode ser resumido ao simples governo da maioria, mas sim o dever que tem a maioria de respeitar as minorias.
Afinal, não podemos deixar de considerar que o jogo de forças políticas do Congresso Nacional, em que pese a Constituição já contar com quase um quarto de século, não decidiu sobre questões essenciais à sociedade brasileira. E o que fez o Judiciário quando provocado, sim, somente após ser provocado (e disso muito se esquece), a decidir? Interpretou a Constituição de modo a lhe garantir a máxima eficácia normativa, e não mera peça formal, petrificada à espera da formação da maioria eventual.
A questão do ativismo judicial não passa pelo direito natural ou uso alternativo do direito (e não direito alternativo como equivocadamente ainda se fala), mas sim pelos direitos fundamentais em sua dimensão objetiva a qual vincula todos os poderes da República e pela qual legitima-se o Judiciário, saindo de sua função de mero "legislador negativo", para ter uma função criativa e construtiva da Constituição.
Essa noção de direitos fundamentais está ligada intimamente à expressão valores, cuja abertura conceitual há de ser concretizada, e esse é o papel que a Constituição outorgou ao Judiciário. Peter Häberle certa vez disse que não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada, portanto, se o Poder Judiciário cria a norma, o faz dentro do conceito de interpretação, de concretização da Constituição.
Não nos olvidemos de que os grupos de pressão não permitiram que aspectos relevantes dos direitos fundamentais fossem legislados deixando, na concepção pós-revolução francesa do direito, sem qualquer proteção os cidadãos. Foi o caso do reconhecimento das uniões homoafetivas como entidades familiares (ADPF 132), do aborto de fetos anencéfalos (ADPF 54), da fidelidade partidária (ADI 3999), liberdade de expressão e manifestação do pensamento (ADPF 130), discriminação positiva (ADPF 186) dentre outros casos concretos. Lembremos, ainda, que em todas essas questões o Judiciário, adotando os ensinamentos de Peter Häberle de que quem vive a norma constitucional acaba por interpretá-la (isso no novo paradigma de uma sociedade aberta de intérpretes das Constituição), ouviu no processo decisório vários setores da sociedade, não se tratou, assim, de uma decisão fechada.
A atuação dos juízes, portanto, não representa qualquer ditadura, muito pelo contrário, o juiz, investido democraticamente pela regra do concurso público ou pelo processo de formação do quinto constitucional, representa sim a população, contudo, o representa, ao contrário do processo político, sem influências de grupos de pressão, de grupos econômicos ou religiosos, o faz em respeito à missão que lhe foi outorgada pelo povo na Constituição de 1988, qual seja, a de lhe interpretar, não se podendo olvidar que, como refere Konrad Hesse, interpretar é realizar a Constituição, ou seja, dar eficácia à densidade normativa.
Portanto, com todo o respeito aos bem lançados argumentos, mas não há que se falar em "ditadura dos juízes", mas sim em realização (no sentido de tornar real, tornar efetivo) do princípio democrático preconizado na Constituição de 1988, já que efetivamente os juízes também, sob outro prisma, mas tão legitimados quantos o Poder Legislativo, são representantes do povo brasileiro.
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