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O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) representa a incorporação no ordenamento jurídico brasileiro dos ditames da doutrina da proteção integral, base teórica da Convenção Internacional dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) e do art. 227, da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu inclusive comando de prioridade absoluta para a nossa infância e juventude.

Entretanto, é preciso reconhecer que na realidade brasileira milhões de crianças e adolescentes ainda continuam experimentando a mais degradante marginalização social, afastados do exercício pleno da cidadania e do acesso aos benefícios produzidos pela sociedade. Parcela considerável da sociedade brasileira não tem olhos – nem coração – para enxergar os seus filhos vítimas da exclusão social.

O Estado Brasileiro, que se vangloria da ampliação do superávit primário para pagamento da dívida interna e externa, não desenvolve política de assistência social – e de garantia de direitos elementares – para efetivo atendimento de famílias empobrecidas. Agentes políticos corruptos, funcionários públicos peculatários, empresários de licitações fraudulentas e grandes sonegadores do fisco continuam "sangrando" os cofres públicos e desviando os recursos que seriam destinados à consecução de políticas sociais.

Assim, forçoso admitir que a lei, ainda que de reconhecida excelência, não tem o condão de alterar a realidade social, pois o que a transforma é o exercício dos direitos previstos na legislação. Os inconformados com as injustiças e desigualdades sociais, dessa forma, devem procurar conhecer as normas do ECA e atuar para a sua efetivação.

Na mesma perspectiva, os meios de comunicação social e o sistema educacional, enquanto importantes aparelhos ideológicos, têm o dever de divulgar os direitos da população infanto-juvenil. Horários reservados em rádios e televisões e a inclusão da matéria nos currículos escolares contribuirão para levar a lei ao conhecimento da população.

Em outro aspecto, além de se reconhecer que lugar de criança é na família (campo de afeto, principal agência de socialização do ser humano e que também deve receber a atenção prioritária do poder público) e na escola (espaço adequado para o desenvolvimento pessoal, de capacitação ao trabalho e de preparo para o futuro exercício da cidadania); fundamental estabelecer que lugar de criança e adolescente é também nos orçamentos públicos. Ou seja, que nas leis orçamentárias os governantes cumpram a política formulada pelos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente (conforme previsão do art. 88, inc. II, do ECA), valendo destacar que os nossos Tribunais Superiores já firmaram entendimento no sentido de que as deliberações dos Conselhos dos Direitos vinculam o administrador, sendo obrigatória – especialmente em razão do princípio constitucional da prioridade absoluta – a canalização dos recursos indispensáveis à implementação dos programas e ações definidos, em cada localidade, como necessários (RESP nº 493811, Rel. Min. Eliana Calmon).

Então, para além da espontânea atividade do administrador público em favor das crianças e adolescentes (afinal, como sempre dizem, não é delas que depende o futuro do país?), o sistema de Justiça – também sob a égide do princípio constitucional da prioridade absoluta em favor das crianças e adolescentes – deve atuar com real preferência, afinco e eficiência na materialização das promessas de cidadania existentes na Constituição Federal e, principalmente, no Estatuto da Criança e do Adolescente, elevando em dignidade as respectivas funções do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, entre outros (como assentado, "não há dúvida quando à possibilidade jurídica de determinação judicial para o Poder Executivo concretizar políticas públicas constitucionalmente definidas, como no presente caso, em que o comando constitucional exige, com absoluta prioridade, a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, claramente definida no Estatuto da Criança e do Adolescente" – Min. Gilmar Mendes, Suspensão de Liminar nº 235-0, de Tocantins, 08/07/08).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, portanto, representa avanço definitivamente marcante na história brasileira, como real passaporte para uma realidade que queremos progressivamente melhor e mais justa. O saldo da aplicação de suas regras é extremamente favorável e, em vários aspectos, verdadeiramente revolucionário. Muitos desafios, no entanto, ainda permanecem como imperativos de nossa agenda política – e sua superação passa necessariamente pela adesão de todos os homens e mulheres capazes de nutrir sentimentos de fraternidade em relação às nossas crianças e adolescentes. Enfim, espera-se efetivo engajamento de todos para que, via superação das desigualdades sociais e erradicação da pobreza, seja possível alcançar – digo eu, a partir da infância e juventude – o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Olympio de Sá Sotto Maior Neto, procurador-geral de justiça do Ministério Público do Paraná

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