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Em 1964, em pleno regime militar, um dos filhos do ministro da Justiça da época, Milton Campos, foi cruelmente assassinado por jovens de uma favela no Rio de Janeiro. No calor das discussões sobre a barbaridade o presidente da República, General Humberto Alencar Castelo Branco, resolveu criar a Fundação Nacional do Bem-Estar e que, posteriormente, deu origem às Febens em nível estadual. A questão da criminalidade infato-juvenil passou a ser um problema de segurança nacional. A reeducação dos jovens infratores seria feita com base na disciplina e na hierarquia. O Estado se encarregaria de realizar o que a família não conseguiu, ou seja, incutir nesses jovens valores de civismo, patriotismo, de respeito e de cidadania. Não é preciso muito esforço para concluir o desastre em que se transformou essa política, em especial as denominadas Febens. A política de repressão só criou ainda mais problemas, cujas consequências persistem até hoje.

Mais uma vez, diante de um fato grave, a morte de um jovem de classe média, produzido por um adolescente, cuja cena foi gravada por câmeras de segurança e as imagens exibidas nos meios de comunicação trouxe à tona a discussão da redução da idade para fins de imposição de penas criminais.

O sentimento é de insegurança e a sociedade, diante desses fatos, achou um culpado pela escalada da violência que se alastra por todos os cantos do país. O discurso recorrente é o de que o adolescente infrator precisa ser rigorosamente punido por seus atos, já que tem uma série de outros direitos. O governo federal, desde logo, manifestou-se contrário à redução da idade para fins de criminalização, não sei se por motivos ideológicos ou por questões econômicas, pois sabe muito bem que não teria recursos para construir cadeias para tantos jovens.

Punir, evidentemente, é necessário na vida em sociedade, mas é preciso lembrar que a punição age nos efeitos, não nas causas dos fatos sociais. Não é preciso muito esforço para concluir que punindo jovens, com privação de liberdade, num sistema carcerário absolutamente falido, com raras exceções, estaremos delegando o término de sua formação psíquica, moral e social para as cadeias públicas, quem sabe para as quadrilhas que dominam o sistema carcerário em vários lugares do Brasil. Esses jovens, mais cedo ou mais tarde, irão retornar ao convívio social e para as ruas, completamente integrados à marginalidade.

Fatos graves, como os relatados, evidentemente não podem passar sem uma resposta do Estado, mas essa resposta deve ser rápida e eficaz, não só para reprimir, dar à sociedade a sensação da "vingança" do Estado, mas, principalmente, permitir que esse jovem, além de ser "punido" por sua prática infracional, seja preparado para não voltar à delinquência. Certamente, esse é o caminho mais difícil, mas o que traz, a médio e longo prazo, os melhores resultados.

Beccaria, há mais de 200 anos, já nos ensinou que a redução da criminalidade não guarda relação com o tempo da pena, mas com a certeza da punição, lição infelizmente até hoje não assimilada.

A experiência tem mostrado que o jovem que se envolve com a prática de atos infracionais, normalmente, teve seus direitos violados na infância. A família, desestruturada, omissa, negligente, falta de escola, de saúde e programas de inclusão social.

Há mais de 20 anos, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente exigem dos administradores públicos a aplicação prioritária dos recursos públicos em programas de atendimento a crianças e adolescentes, mas que não se transformou em realidade. Milhares de crianças ainda estão fora das creches, escolas, os programas de cumprimento de medidas socioeducativas ainda inexistem em muitos lugares e, quando existem, carecem dos mesmos problemas do sistema penitenciário.

Mais uma vez, políticos populistas e oportunistas aproveitam a ocasião para jogar nas costas dos jovens a responsabilidade pela insegurança em que vivemos, quando se sabe muito bem que a responsabilidade é daqueles que não cumpriram com o dever constitucional de aplicar os recursos em ações em favor da criança e do adolescente.

Mais do que nunca é atual e oportuna a lição do filósofo e historiador francês Michel Foucault quando diz que "desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Foi então que houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo que era um inconveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político. Os delinquentes servem para alguma coisa".

Hoje, como no passado, os adolescentes que praticam atos infracionais servem para alguma coisa: justificar a violência em que vivemos, quando na verdade deveriam explicar a incompetência administrativa e o fracasso das políticas públicas para esta parcela da sociedade. Desviar o foco do problema da segurança pública para os jovens, especialmente os pobres, é prática normal e, infelizmente, aceita pela sociedade, que se convence de que o problema da insegurança não está na falta de políticas sérias e eficazes para afastar os jovens da marginalidade, mas sim na sua privação de liberdade, preferencialmente, por longo tempo, em cadeias públicas, insalubres, superlotadas, como acontece em quase todos os lugares deste país.

Por outro lado, quem sabe, em vez de discutir a redução da idade para aplicação das penas criminais, seria mais produtivo e eficiente, inclusive menos oneroso para o Estado, discutir o tempo de duração das medidas socioeducativas, em especial, a de internação, que poderia ser elevada, mas jamais a redução da idade para imposição da lei penal aos jovens, que representaria um enorme retrocesso. Ainda assim, não acredito que tal medida (aumento do tempo de internação) tenha o efeito de produzir a redução da criminalidade. O risco que corremos é o de repetir o fracasso das Febens.

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