Como se sabe, as atividades de rádio e televisão constituem um serviço público que só pode ser prestado por particulares por meio de algum tipo de delegação do poder público. Constituindo um serviço público, a atividade deve ser prestada prioritariamente em benefício da coletividade, mesmo que a propriedade da empresa prestadora seja privada.

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Todavia, essa premissa vem admitindo várias interpretações.

Prática amplamente disseminada na atualidade, a locação de horários na grade televisiva por parte das concessionárias vem sendo alvo de muitas polêmicas, especialmente em razão do crescimento de programas religiosos e de televenda, principais beneficiários dessa medida. Afinal, o direito brasileiro permite que as concessionárias cedam parte de sua programação para terceiros?

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Os partidários da ilegalidade dessa permissão salientam que, por se tratar de um serviço público, há um interesse da coletividade em jogo que impede o arrendamento da programação. Logo, seria inviável transferir a concessão para outro ente privado, tendo em vista que ela foi originariamente delegada para um sujeito em específico, com condições bem delineadas no contrato administrativo.

Afinal, é comum o entendimento de que a relação de concessão de serviço público é personalíssima. Isso significa que o poder público confia a prestação do serviço a determinado sujeito (considerado o mais apto através de licitação). E é este sujeito que terá de prestar o serviço, diretamente.

Se uma determinada empresa, em confronto com todos os demais concorrentes, ganha o direito de ter uma concessão de televisão, então é porque ela é a mais capacitada. Respeitam-­se, assim, os ideais de igualdade e eficiência na prestação dos serviços públicos.

Mas a questão não é tão simples. O fato de os contratos administrativos serem pactuados para uma pessoa específica não afasta por completo a possibilidade de serem cumpridos por terceiros. O Código Brasileiro de Telecomunicações e o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão admitem, em certos casos, a possibilidade desse "aluguel".

O problema é que o código estabelece o porcentual de 25% como total máximo de tempo passível de ser destinado à publicidade comercial. Ou seja, ainda que o argumento seja de que o espaço alugado é publicitário, haveria ilegalidade, vez que em parte dos casos é terceirizada quase que a integralidade da grade diária.

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Ocorre que a Lei nº 8.987/95 fala em "prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários". A própria Constituição destaca que um dos princípios que a programação das emissoras de rádio e televisão deve atender é a "preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas". Por esse motivo, quem deve escolher o prestador é o poder público, por critérios de eficiência e isonomia.

Mas os defensores da prática contra-argumentam que o direito brasileiro, além de não proibir a prática de forma expressa (e realmente não parece proibir), não define os limites para veiculação de conteúdo produzido por terceiros na programação. Ademais, a transferência de produção de conteúdo não esbarraria no limite de 25% porque não se trata de publicidade. Finalmente, destacam que a legislação geral de concessões admite a figura da sub-concessão. Basta que ela esteja prevista no contrato de concessão e seja expressamente autorizada pelo poder concedente (no caso, o Ministério das Comunicações).

Por outro lado, os críticos desta espécie de sub-concessão sustentam que a própria lei geral de concessões diz que ela não se aplica aos serviços de radiodifusão, dando margem a uma série de interpretações. Ou seja, em que pese a legislação pareça abrir uma brecha para a viabilidade da locação de horários na televisão, possui, em contrapartida, dispositivo expresso determinando que, nos casos dos serviços de radiodifusão, a referida lei não é aplicável.

De qualquer forma, o debate sobre o tema deve persistir. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, da Câmara, é uma ferrenha crítica dessa prática de "terceirização" e defende a discussão sobre o assunto no Congresso Nacional. O governo federal já tentou regular a matéria através de decreto, mas recuou devido à forte pressão política que envolve a questão.

A situação atual é de instabilidade jurídica e de certa insegurança quanto ao futuro do setor. Isso, no entanto, pode alterar-se com a regulamentação da matéria pelo Congresso, seja pela autorização, seja pela proibição da prática de arrendamento dos serviços de radiodifusão. A solução pode estar também nas instituições de controle do ordenamento jurídico brasileiro: o Ministério Público Federal já manifestou publicamente a pretensão de ingressar com uma ação judicial discutindo o assunto.

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Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

Emerson Gabardo, advogado, é professor de Direito Administrativo na UFPR e na PUCPR. Thiago Valiati, advogado, é especialista em direito das telecomunicações.