O Tribunal de Justiça de São Paulo tem prestado enorme contribuição ao fortalecimento da arbitragem no Brasil. Os desembargadores têm se pronunciado, reiteradas vezes, favoravelmente à aplicação do princípio da Kompetenz-Kompetenz, consubstanciado no art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/96, em claro prestígio à eleição, pelas partes, da via arbitral para a solução de suas controvérsias. O posicionamento em detrimento da própria competência estatal para a apreciação de medida cautelar preparatória, tema tormentoso e um dos pontos nevrálgicos de contato entre as esferas judicial e arbitral, consolida sem dúvida a arbitragem.
Com efeito, não se nega, na sistemática arbitral vigente no país, a possibilidade de que uma das partes se utilize de medidas cautelares preparatórias para resolver determinada questão de urgência, antes mesmo da constituição do tribunal arbitral. Tal aceitação, porém, não pode ser irrestrita, principalmente quando se trata de caso em que há cláusula compromissória cheia e a parte postula verdadeira medida satisfativa, desejando antecipar a decisão sobre o mérito da controvérsia, sob pena de esvaziamento do próprio objeto da arbitragem. O escopo de qualquer medida cautelar, ao contrário, é o de assegurar a integridade do objeto da demanda principal (in casu, da própria arbitragem), e não esvaziá-lo irreversivelmente.
Essa orientação, que rechaça a intervenção estatal em hipóteses cuja competência é exclusiva dos árbitros, já é consolidada em sede doutrinária há anos, tanto no direito interno como no direito internacional. Assim, o recente posicionamento da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ paulista, que rejeitou Embargos de Declaração em Medida Cautelar que pretendia garantir o cumprimento de um contrato enquanto a questão não era discutida em arbitragem, é pertinente. Isso porque ecoa, com extrema felicidade, a impossibilidade de que o Poder Judiciário aprecie demanda, pretensamente tida por preparatória, cuja análise implique o exame do mérito de controvérsia arbitral sequer instaurada formalmente, em total desprestígio à opção eleita pelas partes em contrato.
A peculiaridade desse conjunto de decisões do tribunal paulista reside precisamente no fato de que a medida cautelar foi ajuizada sob a infundada alegação de morosidade na constituição do tribunal arbitral. Foram formulados pleitos supostamente acautelatórios que pretendiam, na realidade, a antecipação total do mérito da disputa. A corte bandeirante acertadamente indeferiu a inicial, decisão esta confirmada em três oportunidades no segundo grau.
A autonomia da vontade das partes, cânone basilar da Lei de Arbitragem pátria, tem como uma de suas facetas justamente o afastamento do Judiciário quando as partes assim dispuserem, seja por meio de cláusula compromissória, ou então pelo compromisso arbitral. Não à toa o art. 31 da Lei de Arbitragem equipara a sentença arbitral à judicial quanto aos efeitos produzidos. A vinculação à convenção de arbitragem é inexorável, de modo que os árbitros sempre terão prioridade cronológica para a apreciação de questões relacionadas à existência, validade e eficácia da convenção (efeito positivo da Kompetenz-Kompetenz), derrogando, ao menos até que cesse a jurisdição arbitral, a jurisdição estatal (efeito negativo do aludido princípio).
Busca-se, com isso, a preservação da via arbitral, a qual, embora alternativa, possui status equivalente à judicial. Tal entendimento foi também reafirmado pelo Superior Tribunal de Justiça em decisão que rejeitou dois recursos especiais que buscavam transferir a competência do juízo arbitral para a justiça estadual. Os recorrentes pediam que o Judiciário apreciasse uma suposta nulidade da convenção arbitral antes dos árbitros e da própria instituição da arbitragem, o que contraria a Lei de Arbitragem e o princípio aqui citado. Estes foram alguns argumentos usados para se afastar a jurisdição do Tribunal Arbitral: (i) ter sido a Recorrente unilateralmente incluída no contrato; (ii) não ter a massa falida capacidade civil para assinar cláusula; (iii) que a obrigatoriedade de submissão da disputa ao Juízo Arbitral seria uma violação do princípio da inafastabilidade da jurisdição estatal e da celeridade; e (iv) que a cláusula compromissória teria sido incorporada a um contrato de adesão.
Ao negar provimento aos REs no STJ, o ministro relator Sidnei Beneti ressaltou que o árbitro deve ser o primeiro a apreciar questões relativas à validade da convenção arbitral, nos termos do art. 8º da Lei de Arbitragem.
As decisões comentadas, a um só tempo, trazem segurança jurídica aos jurisdicionados. Isso porque valorizam o princípio do pacta sunt servanda, bem como reafirmam a complementaridade ínsita aos sistemas arbitral e judicial, sinalizando ainda, claramente, que o Poder Judiciário não guarda espaço para manobras processuais.
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