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A Proposta de Emenda Constitucional nº 37 (PEC 37/2011), em tramitação na Câmara dos Deputados, estabelece que a apuração criminal passe a ser privativa das polícias Federal e Estadual, impedindo a investigação do Ministério Público, da própria Polícia Militar e de outras instituições. A PEC se volta principalmente contra as ações investigativas criminais do Ministério Público, mas afeta de modo brutal o exercício de direitos dos cidadãos, notadamente dos que mais precisam do amparo do Estado.

Podemos alinhavar vários pontos contrários a tal proposta. Quando promotores ou procuradores apuram infrações penais para responsabilizar os autores perante o Judiciário, não o fazem por vingança ou retaliação a pessoas ou classes, mas como cumprimento de dever imposto na Constituição Federal.

Fixar nas polícias a apuração não vai abranger mais situações, aumentar a eficiência persecutória, nem levar à responsabilização de mais pessoas; muito pelo contrário.

Se a PEC não traz nenhum benefício ao sistema jurídico criminal, a quem ela interessa, então? A muitos dos integrantes da classe política que apoiam a emenda porque deixariam de ser incomodados pela atuação do Ministério Público. A atuação da instituição principalmente na área de combate à corrupção tem contribuído para diminuir a impunidade, alcançando pessoas nunca antes "perturbadas" e que sempre se julgaram acima do bem e do mal em face da sua condição pessoal, política ou econômica.

A PEC não beneficiaria nem sequer os interesses corporativos das próprias polícias civis. Com sérias limitações, que não se consegue mudar do dia para a noite, as dificuldades que determinam parte das mazelas presentes impediriam o usufruto do suposto incremento de poder e valorização de seus integrantes. Com maior clareza, pode até se desenhar um quadro de desestímulo, que para muitos resvalaria para o desalento, notadamente quando se sabe que até mesmo a promoção de policiais é permeada de impulsos de caráter político.

Por outro lado, as questões jurídicas que a PEC pode suscitar são numerosas. Sua aprovação resultaria em mais instabilidade nas relações jurídicas, permitindo abrir discussão nos tribunais sobre a validade de atuação do Ministério Público no terreno da improbidade, por exemplo. Numa situação em que já existem problemas com a celeridade processual, a possibilidade de discutir a validade de atuação aumentaria a demora de definições judiciais, com evidente prejuízo para a eficácia da responsabilização de agentes por desvios de conduta e de recursos públicos. Em outras palavras, a PEC que trata da esfera criminal espraiaria efeitos deletérios no campo da própria improbidade.

A aprovação da PEC também resultará no enfraquecimento do controle externo da atividade policial, determinado pela Constituição Federal. A PEC 37 inviabilizará qualquer tentativa de interferência positiva do Ministério Público junto à polícia, acentuando antagonismos institucionais latentes. Os que têm espírito crítico poderão tirar suas próprias conclusões a respeito da importância dessa atividade do Ministério Público, em que a responsabilização dos desvios de condutas policiais só é eficiente, na atual realidade, com investigação direta dos promotores de justiça.

O Ministério Público tem buscado criar condições para que o cidadão possa procurar o promotor de justiça com a finalidade de levar suas queixas ou buscar seus direitos. Caso a PEC seja aprovada, as dificuldades atuais de atuação do Ministério Público a favor das vítimas de abusos ou agressões policiais se inviabilizarão. Se o Ministério Público não tiver possibilidade de apurar situações dessa natureza, o cidadão não terá a quem recorrer. E a impotência leva ao descrédito.

Não é pretensão passar a imagem de que o Ministério Público seja o detentor único da moralidade administrativa e da legalidade ou defensor exclusivo dos princípios da Constituição. Entretanto, as situações que são divulgadas ao longo do tempo confirmam o esforço da instituição em cumprir suas funções constitucionais. Dentre estas está a apuração das infrações penais (normalmente envolvendo agentes públicos), com autonomia e responsabilidade, sem outras ingerências ou interferências, para propor ao Judiciário as ações criminais correspondentes, sem embargo das ações de natureza diversa. O poder de investigação criminal deriva daí, deduzido da teoria dos poderes implícitos, revelado pelo poder-dever de propor o processo perante o Judiciário. Essa atividade investigativa que é complementar ou suplementar à da polícia deve permanecer, para dar coerência à estrutura constitucional. A PEC 37 configura realmente um atentado à cidadania, mais do que a qualquer instituição isolada do Estado.

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