No último dia 19, o juiz de Direito Fábio Bergamin Capela concluiu seu mestrado em Direito na UFPR. Sua dissertação aprovada com nota máxima produziu um impressionante diagnóstico do sistema de justiça criminal paranaense, denunciando em números a força da ideologia punitivista que nele se instalou.
De acordo com a pesquisa (foram analisadas 750 sentenças, datadas entre março de 2011 e dezembro de 2012), as Varas Criminais de Curitiba absolvem pouco: 64,4% dos casos terminam com aplicação de pena. Para piorar, praticamente a metade das sentenças absolutórias é determinada pela prescrição ou morte do acusado, ou seja, se retiradas do cálculo total essas duas hipóteses, as condenações alcançam em média inacreditáveis 78% das sentenças de mérito. Em outras palavras, se alguém sobreviver à duração razoável de um processo criminal em Curitiba, a chance de ser condenado é de cerca de 80%; no extremo representado pela 5ª e 11ª Varas Criminais essa probabilidade chega a 90%.
Uma analogia talvez ajude a dimensionar o significado desses dados. Imagine que você é acusado pela prática de um crime e tem diante de si culpa ou inocência à parte duas opções: (a) deixar que o lançamento de uma moeda decida seu destino (cara/condenação, coroa/absolvição) ou (b) confiar no prudente arbítrio de um juiz. Difícil pensar, em princípio, que alguém escolheria a primeira alternativa. Todavia, o estudo demonstra que é precisamente esta a opção mais sensata; ao preferir o acaso da moeda, aumenta-se a chance de absolvição em quase 30%.
A alta frequência de condenações descoberta vai de encontro à expectativa que se projeta a partir da ciência jurídico-penal, pois o critério reitor para valoração das provas deveria ser a presunção de inocência; logo, ao menos de acordo com a matemática estatística, ao reunir uma grande quantidade de sentenças (independentemente das particularidades de cada caso concreto) deveríamos detectar a preponderância da absolvição corolário da dúvida sobre a condenação que exige certeza. Mas isso é exatamente o oposto do que acontece nas Varas Criminais de Curitiba, sintoma de uma indevida incorporação de metarregras punitivas pelos magistrados no exercício da criminalização secundária.
A dissertação, a propósito, menciona algumas explicações possíveis para esse fenômeno e destaca, entre elas, a proximidade entre Ministério Público e Judiciário. Seja pela facilidade de acesso, privilégio de tratamento ou falta de resistência da outra parte a maior parte dos réus é pobre e o Paraná ainda não conta com Defensoria Pública devidamente estruturada a verdade é que promotores influem mais nas decisões judiciais do que advogados. Não por outro motivo, uma das prescrições feitas pelo trabalho que merece ser publicado é a de que os juízes se distanciem da acusação o suficiente para ouvir a defesa no mesmo volume.
O estudo, em todo caso, não se limita à análise crítica da desproporcional quantidade de condenações e aproveita para derrubar alguns mitos. Um deles é o de que a quantidade de absolvições está relacionada ao gênero; embora mulheres condenem menos do que homens, a diferença encontrada (1,2%) é incapaz de descrever uma tendência. A pesquisa também afasta o preconceito contra o julgamento realizado pelo cidadão comum, que, mesmo sem formação jurídica, demonstra inteligência e sensibilidade suficientes para compreender e aplicar o in dubio pro reo. De fato, o número de absolvições aumenta substancialmente nos dois Tribunais do Júri da capital, alcançando, em média, 45,2% dos processos; e isso, é bom lembrar, tratando-se de acusações por homicídio doloso. Nas demais Varas Criminais, 62% das condenações têm por objeto crimes patrimoniais principalmente furto e roubo e a maior parte dos tipos legais processados não envolve violência física. Por fim, a pesquisa revela que confissão equivale à condenação: todos aqueles que admitiram responsabilidade foram condenados e, mais grave, muitos não tiveram suas penas diminuídas por isso.
A evidência de que o Judiciário local é mais hábil em desembainhar a espada do que equilibrar a balança convida à reflexão e contrasta com a sensibilidade, inteligência e dedicação dos juízes que conheço. Nesse sentido, o elogio à excelente dissertação escrita pelo juiz e agora também mestre em Direito Fábio Capela é, simultaneamente, uma oportunidade para renovar a esperança de que a Justiça Penal, muito em breve e como um todo, incorporará sem reservas o democrático papel de garantidora dos direitos do acusado que a Constituição de 88 tão generosamente lhe reservou.
Maurício Stegemann Dieter, doutor em Direito, é professor de Direito Penal e Criminologia no Instituto de Criminologia e Política Criminal, na Faculdade de Direito de Curitiba, na Universidade de Passo Fundo, na Escola Superior da Polícia Civil e no Curso Jurídico.
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