Há mais de duas décadas as instituições formais europeias vêm enfrentando a criminalidade organizada, observando que o seu "calcanhar de aquiles" reside no pilar financeiro. A dedução é simples: é o patrimônio dessas organizações que possibilita a prática das atividades delituosas de forma tão expressiva e danosa. Diante disso, o aparato formal do Estado está na busca de instrumentos de cerceamento da reutilização dos recursos auferidos de forma ilícita nas práticas criminais.
É exatamente nessa fase de combate às organizações criminosas que o confisco de bens adquire nova feição, buscando retirar o fluxo de caixa que dá sustentabilidade a tais entidades criminosas.
Notoriamente, com o rompimento das fronteiras econômicas e a abertura dos espaços comunitários, criou-se uma espécie de "subproduto: a liberdade de circulação abrange tanto os bons como os maus, quer dizer, o crime (os criminosos) também circula(m) mais facilmente", de acordo com Abel Laureano, ou seja, a abertura comercial das fronteiras produziu uma nova forma de criminalidade a criminalidade transnacional econômica e reditícia. Criminalidade reditícia é aquela que faz voltar o lucro através de um processo cíclico. Os lucros provenientes da própria criminalidade são reinvestidos para fomentar novas práticas criminais, e é exatamente esse processo de reinvestimento no próprio crime que se entende por crime reditício. Nesse contexto, o confisco de bens assume outros contornos.
No Reino Unido, por exemplo, em 2006, uma estimativa oficial calculou que o ganho do crime organizado atingiu a marca de 15 bilhões de libras, enquanto que no mesmo período foram recuperados pelo Estado somente 125 milhões de libras.
Nesse sentido, há de se concordar com a normativa europeia ao inserir o confisco de bens como instrumento eficaz no combate à criminalidade reditícia e, assim sendo, se propaga a adoção de mecanismos e estratégias de cooperação jurídica internacional visando maior efetividade e publicidade do confisco, em especial a constrição direta de bens e valores, o confisco alargado, o confisco não baseado em uma condenação e o bloqueio de bens de terceiros.
O confisco direto de bens e de valores é a forma mais comum de apropriação pelo Estado do produto do crime, fundamentado em uma decisão judicial definitiva, podendo, inclusive, ser realizado por valor equivalente ao obtido com a prática ilícita.
Por seu turno, o confisco alargado, instituto aprovado em 2005, por meio da Decisão-Quadro da União Europeia nº 2005/212/JAI, é um instrumento inovador porque busca novas formas de perda de bens e valores assentadas na presunção de serem oriundos de delito.
Tal instituto requer o preenchimento de requisitos de ordem formal, como, por exemplo, a condenação definitiva por algum crime do catálogo, posse de bens desproporcional ao declarado formalmente e bens em nomes de terceiros "laranjas". Nesses casos, presume-se que os bens do imputado foram adquiridos em decorrência do delito, podendo ser confiscados visando evitar novos investimentos em práticas delitivas.
Assim, na tendência dessa política criminal expansiva, o confisco se direciona à recuperação de ativos provenientes de crimes. Entretanto sua eficácia está condicionada à ausência de flexibilização de diversos princípios constitucionais garantistas (ampla defesa e presunção da inocência) e a uma efetiva cooperação judicial, caso contrário, as discussões e as diretivas ficarão somente no campo abstrato.
A cooperação que se busca é aquela que se fundamenta em Estado-interceptor e Estado-notificado ou, ainda, na própria cooperação direta pelo Estado-notificado, fundamentado na confiança mútua.
Resta evidente que o tema exige desafios e mudanças, tendo como marco a discussão acadêmica sobre um enfoque diverso para o confisco, em especial porque a criminalidade reditícia vem ganhando cada vez mais espaço. Encontrar o equilíbrio entre a funcionalidade desse instrumento normativo e do respeito às garantias constitucionais representa um verdadeiro desafio.
A doutrina costuma assinalar que, no contexto de criminalidade globalizada e reditícia, o direito penal torna-se peça-chave por quatro razões elementares. A primeira é a constatação histórica de que os processos de unificação se fazem acompanhar do surgimento do reforço punitivo. Por óbvio que esse reforço punitivo deve vir acompanhado de uma carta que proteja os direitos e garantias individuais elementares dos cidadãos integrantes dos estados membros de uma União, não apenas através de uma proteção formal, mas real e efetiva.
A segunda é que, a partir do momento em que os Estados nacionais se unem criando um espaço comum econômico, torna-se necessária a proteção de bens jurídicos supranacionais, tendo em vista que os crimes de terrorismo, tráfico de seres humanos, de drogas e de armas, corrupção, criminalidade de informática, crimes contra o meio ambiente, pornografia infanto-juvenil e ainda a "lavagem" de dinheiro também se lançam para além das fronteiras.
Em terceiro, está a necessidade do desenvolvimento de uma cooperação judiciária e policial em nível internacional, modernamente tratada como relações de parceiros entre estados membros de uma União, fundamentado na ideia de confiança, no intuito de dar efetividade ao cumprimento das decisões, mormente àquelas que visam à repatriação de valores, confisco e apreensão de bens. Por último, está a colaboração e o empenho efetivo das autoridades dos estados-membros na elaboração de uma agenda pública objetivando proporcionar políticas criminais comprometidas com o desenvolvimento da região, uma vez que os crimes transnacionais e reditícios, como a corrupção e a "lavagem" de dinheiro, prejudicam exacerbadamente o crescimento e dificultam a sustentabilidade do desenvolvimento.
Rodrigo Sánchez Rios, professor de Direito Penal da PUCPR, é advogado criminalista. Sólon Cícero Linhares é professor de Direito Penal da PUCPR e do Curso Luiz Carlos.
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