Se por um lado a legislação de trânsito nacional endurece suas reprimendas permitindo cada vez menos álcool no sangue dos motoristas, o Estado, na contramão, autoriza uma quantidade maior de etanol nas bombas de gasolina do país.
Conforme amplamente divulgado pela imprensa, pouco mais de 24 horas após o anúncio do governo sobre o aumento do preço dos combustíveis, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, após reunir-se com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e representantes do setor sucroalcooleiro, informou que a partir de maio deste ano o porcentual de etanol misturado à gasolina passará de 20% para 25%. De acordo com Lobão, a vigência da medida foi antecipada em um mês. O objetivo é reduzir o impacto na alta do valor da gasolina, reajustado em 6,6% perante as refinarias, assim como incentivar o mercado usineiro.
Para fins jurídicos, aguardam-se as normas administrativas da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) para formalizar a alteração. É importante lembrar que no fim de 2011 o caminho foi inverso, reduzindo-se tal porcentual de 25% para 20%, com o intuito de amenizar a falta de álcool e possível desabastecimento do mercado, evitando um aumento abusivo dos preços.
Como se nota, a alteração de tal porcentual tem caráter político e econômico, servindo como fator estratégico para regulação do mercado energético. Entretanto, tais mudanças também geram impactos perante o ordenamento jurídico pátrio, cabendo nesta análise, verificá-los no âmbito do direito penal, mais especificamente para o delito previsto pelo artigo 1º, inciso I, da Lei 8.176/91, tipificado como um crime contra a ordem econômica, de competência da Justiça Estadual.
O dispositivo legal apena com detenção de um a cinco anos aquele que "adquirir, distribuir e revender derivados de petróleo, gás natural e suas frações recuperáveis, álcool etílico, hidratado carburante e demais combustíveis líquidos carburantes, em desacordo com as normas estabelecidas em lei". Por se tratar de uma norma penal em branco em sentido estrito ou heterogênea, a plena caracterização do crime está condicionada ao complemento de normas de diferentes instâncias, no caso as Portarias ANP nº 309, de 27/12/2001 e MAPA nº 678, de 31/08/2011, responsáveis por determinar a composição da gasolina, inclusive quanto ao porcentual de álcool para ela permitido.
Desse modo, após a modificação prevista para maio deste ano, para caracterizar o crime, deverá ser constatada na gasolina uma quantidade de etanol superior a 25%. Entretanto, a problemática não reside nos casos futuros, mas sim nas demandas em trâmite, nas quais se configurou o crime em razão de quantidade de álcool entre 20% e 25%, descontadas as margens de erro permitidas, de mais ou menos 1%.
Isso porque, de acordo com o artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal, o direito brasileiro admite a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu. Entretanto, a aplicação desse comando para as normas penais em branco (tal como o delito em questão) gera divergências doutrinárias e jurisprudenciais.
Hoje, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a norma penal em branco sempre retroagirá beneficamente quando seu complemento também for uma lei, o que não se enquadra no crime analisado, complementado por disposições administrativas. Nessa segunda hipótese, só se admitirá a retroatividade benéfica quando a alteração modificar verdadeiramente a figura abstrata do Direito Penal, não se enquadrando mudanças de caráter meramente atualizador ou circunstancial.
Em termos concretos, para o Superior Tribunal de Justiça (RHC 16172/SP), a alteração relativa à proporção de álcool na gasolina é meramente quantitativa, não sendo suficiente para autorizar a aplicação do princípio da retroatividade benéfica da norma posterior. Porém, esse entendimento não é pacífico, existindo fundamentos consistentes para defesa de raciocínio contrário.
Além de seu papel de destaque na severa Lei Seca, o etanol também será protagonista de polêmicas discussões envolvendo a futura mudança de seu porcentual na gasolina. Como visto, os debates extrapolarão o campo político-econômico, gerando efeitos jurídicos diversos, inclusive criminais. Sendo assim, para maio de 2013 há apenas uma certeza para o motorista: menos álcool no corpo, mais álcool no tanque.