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Conheci o Professor Dr. José Rodrigues Vieira Netto em agosto de 1967, quando fui levado para o escritório pelo Dr. Antonio Prado, porque o mestre, como gostava de ser chamado, precisava de um secretário. Estava eu na metade do quarto ano do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A esposa do Professor Vieira Netto, Andrée Gabriele De Ridder, estava grávida, na iminência de ser mãe e sem condições de continuar o seu trabalho no escritório. Fui apresentado a ele e rapidamente acertamos o contrato, facilitado pelo reconhecimento de que éramos conterrâneos – ambos nascidos em Rio Negro. Iniciei as minhas atividades em seguida e fiquei com ele até o seu falecimento, em abril de 1973. Todos os seus trabalhos, petições, etc., eram manuscritos e eu fazia a datilografia.

O Professor Vieira Netto, que estaria completando 100 anos no último mês de dezembro, foi presidente da OAB-PR por duas vezes – 1957/1959 e 1959/1961; adquiriu a sede própria da OAB e foi presidente do Instituto dos Advogados do Paraná, de 1941 a 1942; foi condecorado com a Medalha Clóvis Bevilaqua e proferiu a sua última conferência em 1972, sobre "A Ordem dos Advogados do Brasil: suas origens, estrutura e funcionamento".

Vale lembrar algumas das palavras de Vieira Netto a propósito da OAB, proferidas naquela ocasião, precisas e que são marcantes e atualíssimas, mesmo 40 anos depois: "A independência da Ordem é essencial não só à ‘dignidade da instituição’ mas à sua atividade peculiar. É a independência da Ordem que protege a independência do advogado. A democracia do voto na escolha dos dirigentes e a tomada de contas nas Assembleias Gerais."

Como docente, na UFPR, Vieira Netto também foi escolhido paraninfo da turma de 1964, e o seu discurso, que resultou no primoroso trabalho intitulado "Sobre as Quatro Liberdades", não pôde ser lido na solenidade de formatura, por proibição da Reitoria.

O mestre morreu moço, com 60 anos, mas o que ele construiu nesse tempo foi grandioso, ainda que sempre se defendendo da perseguição política de que foi vítima durante quase 30 anos, e isto porque, simplesmente, era comunista.

Em 16 de setembro de 1967, o mestre foi preso, sem autorização judicial e colocado absolutamente incomunicável em prisão no Quartel do Exército no Boqueirão, em Curitiba. A incomunicabilidade foi suspensa 30 dias após a sua prisão, mas continuou preso. Mesmo assim, Vieira Netto conseguiu elaborar uma petição de mandado de segurança. A petição foi manuscrita nas dependências do quartel e eu fiz a datilografia, indo a Brasília, em seguida, para protocolar a petição no então Tribunal Federal de Recursos. Conseguiu liminar, mas a segurança foi negada. Nesse meio tempo, houve suspensão das atividades profissionais, foi proibido de advogar. Foi colocado em liberdade, com Habeas Corpus, em 6 de novembro de 1967.

No seu interrogatório, o professor Vieira Netto disse que foi "preso nas piores condições, sem ordem judicial ou respeito às prerrogativas de advogado e professor catedrático; que ao ser interrogado ficou em um cubículo infecto, de péssima comida e incomunicável; que foi interrogado com metralhadora a vista e ameaçado por um oficial; que sua casa e escritório foram violados", entre outras irregularidades.

No processo de 1967, a condenação foi pedida pela acusação por que Vieira, "em razão do seu nível intelectual, e da posição social que desfruta, redobra-se a sua responsabilidade criminosa e tal fato há de ser considerado". Enfim, o mestre padeceu por ser um intelectual, por ter firmeza de princípios, por ser honesto.

Encerro este artigo com uma lembrança feliz, sentimento que reside na memória daqueles que tiveram o prazer conviver com o mestre e que lhe faz a devida justiça de caráter. Há exatamente quarenta anos, no dia 6 de dezembro de 1972, às 16h, encontrava-me no Fórum de Cascavel, quando fui chamado pelo escrivão para atender um telefonema de Curitiba. Preocupado, porque a minha esposa na ocasião estava grávida de oito meses, atendi ao telefone e descobri que era o professor Vieira Netto: - E aí, Mestre! Tudo bem? Algum problema? – perguntei. – Que nada - disse ele -, estou telefonando para te dizer que nasceu uma ninhada de gatos. – Como assim, professor? – indaguei. Você é pai de gêmeas. Parabéns! – concluiu ele, que naquele momento deu uma gostosa gargalhada, tão conhecida daqueles que com ele conviveram.

É de episódios assim, inesquecíveis, que eu me lembro do mestre. Um grande homem. Um grande amigo e um profissional de respeito. Lutador pela Justiça. Atendia qualquer um que lhe procurasse. Seu escritório tinha decoração espartana, com dois advogados que com ele trabalhavam. Simples, sem sofisticação. Não tinha sequer recepcionista. Foi sempre um professor, para o ensino do direito, a execução profissional e, principalmente, para a vida. Registre-se aqui a minha homenagem ao centenário do mestre Vieira Neto, que compartilho com os futuros e atuais profissionais que exercem o nobre exercício da advocacia.

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