Não há contradição quando se invocam os direitos humanos apesar de se poder indagar se há direitos que não são criados em razão dos seres humanos. A expressão de que agora se trata desenvolveu-se em período recente da história. O momento culminante dos primórdios dos direitos humanos dá-se com a Revolução Francesa em 1789, que edita a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.
A liberdade, a igualdade e a fraternidade foram erigidas a standards desses direitos que vêm sendo aprimorados nos últimos séculos. Observa-se nesse processo um progressivo olhar para o ser humano, porque antes da convulsão histórica representada pela Revolução Francesa o direito nada mais era senão a vontade expressa pelos imperadores, pelos reis, pela Igreja. Representava apenas um instrumento de opressão e de afirmação do poder dos governantes em pactuação com o clero.
A primeira preocupação dos idealizadores dos direitos humanos voltava-se a proteger os indivíduos contra os abusos do Estado. Desenvolveram mecanismos de contenção do poder político, de sua delimitação e do seu exercício. Surgem assim as liberdades individuais, em que todos, governantes e governados, são iguais perante a lei, cuja origem era o povo e em seu nome deveria ser empregada.
Essas manifestações das liberdades e direitos individuais foram insuficientes, no entanto, para atender efetivamente à maior parte da população do mundo ocidental, visto que o poder econômico tratou de se impor. Menos de 50 anos depois da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão tornou-se evidente que a contenção dos abusos do Estado não bastara, porque as constituições que absorveram as promessas da Revolução Francesa trataram de proibir os analfabetos, as mulheres e os economicamente desfavorecidos de votar ou de serem votados, bem como afirmaram de forma excludente as prerrogativas dos proprietários, e, é bom que se diga, poucos podiam ter acesso à propriedade de bens móveis ou imóveis.
Os direitos sociais foram a resposta para que se evitasse a ruptura do modo capitalista de produção. O início do século 20 bem o revela, uma vez que o surgimento da União Soviética materializara uma ameaça concreta à hegemonia burguesa. O sindicalismo, o anarquismo, o socialismo concreto e o socialismo utópico são algumas das respostas politicamente engendradas contra a dominação burguesa acima descrita. Nesse momento da história, far-se-ia necessária uma nova postura do Estado. Não se queria um Estado mínimo, contido, em defesa das liberdades individuais; urgia um Estado proativo para assegurar à maioria economicamente desfavorecida bens da vida que lhe propiciassem condições de sobrevivência, para que pudesse, a partir do patamar essencial de dignidade, fruir as próprias liberdades das quais não se beneficiara desde logo.
As liberdades individuais e os direitos sociais foram absorvidos pelas democracias ocidentais e infelizmente distorcidos pelos regimes autoritários nazifacistas, os quais conquistaram o poder por meio de constituições livres e de leis majoritárias, utilizando-se, todavia, desse modelo para oprimir os que lhes eram adversos e aqueles que representavam ameaça ideológica ao seu domínio. Mas não só esses, também os diferentes ou indesejáveis. Foram enviados para os campos de concentração não apenas os judeus. Pessoas com orientação homoafetiva, ciganos, pessoas com deficiência, inclusive italianos e alemães, ou opositores ideológicos (socialistas, anarquistas), entre outros, foram assassinados em massa.
Eis a razão da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que visava corrigir em 1948, após a criação da Organização das Nações Unidas, os terríveis desvios que a Segunda Guerra Mundial impusera ao processo de aprimoramento do sistema dos direitos humanos. "Todo ser humano nasce livre e igual em dignidade e direitos." Eis o núcleo principiológico daquela Declaração. Essa formulação visa superar a falsa dicotomia que dividia o mundo entre capitalistas e socialistas, por meio da qual os primeiros valorizavam as liberdades individuais em detrimento da igualdade, e os segundos, a seu turno, propunham uma perspectiva oposta entre esses valores. O que se queria afirmar, justamente, é que não há liberdade sem igualdade e tampouco esta sem aquela, valores indissolúveis, unos e interdependentes.
A partir de 1966, a ONU tratou de sistematizar o conjunto de direitos humanos pelo Pacto dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto dos Direitos Sociais, Culturais e Econômicos, reafirmando a interdependência entre ambos os conjuntos de direitos. Desde então, vem se voltando aos grupos vulneráveis, por meio das Convenções contra discriminação racial, proteção da mulher, da criança, dos migrantes, contra o trabalho forçado e tortura e, finalmente, em prol das pessoas com deficiência. A atenção à diversidade humana busca resgatar a maior riqueza da nossa condição, pois nas diferenças encontrar-se-á a verdadeira igualdade.
Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, professor, é mestre e doutor em Direito. Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná.
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