O Direito Civil tradicionalmente afirmou-se como o ramo jurídico voltado ao regulamento das relações privadas em contraponto ao Direito Público, o Direito do Estado. Primordialmente, tratava-se essencialmente de assegurar uma esfera de liberdade do indivíduo que, nesse espaço, pautava seu agir com a máxima redução da interferência alheia. O Código Civil posicionava-se como principal suporte legal das relações privadas referentes ao patrimônio, às obrigações e às questões de família. Nessa conjuntura, a Constituição, que embora reconhecidamente fosse a lei fundamental da nação, tinha como seu papel mais significativo legitimar a existência das leis que a ela se subordinavam. Dessa forma, a Carta Magna desempenhava papel periférico na definição concreta dos direitos, de modo que seus valores basilares detinham função meramente simbólica.
No entanto, com a emergência da valorização dos direitos fundamentais, notadamente a partir da segunda metade do século 20, ganha relevo distinto a Constituição por ser a principal carta legal que alberga esses valores. A partir da valorização da Lei Maior e do progressivo reconhecimento de sua força normativa, a sua funcionalidade jurídica é expandida, de forma que se torna fundamento direto e principal para o reconhecimento de direitos. O Código Civil de 2002 posicionou-se como diploma normativo adequado a essa onda de afirmação das normas constitucionais, visto que sua estrutura legal é aberta à interação com a Constituição. Como consequência, o Direito Civil começa a transitar de uma leitura isolacionista para uma situação de integração para com a Constituição e as demais leis do ordenamento jurídico.
Progressivamente, a experiência jurisprudencial evoluiu em consonância com a maior importância concedida à interpretação constitucional. O que se observa no Direito Civil atual é a superação dos seus antigos alicerces em direção à consolidação dos valores constitucionais. Significa afirmar que a tutela dos direitos baseados no bem-estar coletivo e no equilíbrio entre os interesses individuais e os da sociedade implica necessariamente a negação de uma base legal em que a liberdade individual possa reinar absoluta.
Na superação do antigo modelo, o Código Civil atual teve como suas diretrizes cardeais a socialidade, a eticidade e a operabilidade. Pela socialidade, importa que se reconheça o impacto das ações individuais sobre o entorno social no qual o ato privado esteja inserido. A autonomia privada, embora não tenha sua importância esvaída, é redesenhada com vistas especialmente à propriedade e à livre iniciativa, as quais devem preencher requisitos de legitimidade voltados à sua função social a fim de que haja o seu reconhecimento jurídico. Essa é uma decorrência da defesa constitucional dos direitos fundamentais sociais, coletivos e difusos, cuja existência necessariamente implica a limitação dos direitos individuais. Por esse motivo não se admite que o proprietário de um imóvel polua ou desmate sua área indiscriminadamente, visto que o meio ambiente saudável é direito de todos. Da mesma forma, é negada a validação dos negócios jurídicos que produzam impacto social negativo.
Pela eticidade, reconhece-se estar superada a pretensa separação entre o Direito e a moral. No campo contratual destacadamente, vigora a imposição de um padrão ético de conduta entre os negociantes. Ou seja, não é admissível postura contratual cujo intuito seja de lesar a outra parte da relação jurídica formada. Pelo contrário, através da boa-fé objetiva, decorrente do princípio constitucional do solidarismo, exige-se que cada parte contratante adote as posturas necessárias a fim de que a outra não seja prejudicada. Por essa razão são anuladas, por exemplo, as cláusulas contratuais consideradas abusivas.
A operabilidade, por seu turno, impõe o reconhecimento do ser humano como pessoa concreta, e não abstrata. Como consequência, a igualdade não pode ser vista apenas do ponto de vista formal, mas também pela perspectiva material, visto que a Constituição a proclama como princípio que deve ser efetivado da maneira mais ampla possível. Pelo reconhecimento da operabilidade, pode-se citar a quantificação das indenizações pelos danos morais ou materiais, que deve levar em consideração o estado da vítima e do ofensor no caso concreto.
Contudo, deve-se reconhecer que, se de um lado foram produzidos significativos avanços na interpretação constitucional em mais de 20 anos de vigência da Constituição Cidadã e em cerca de uma década desde a instituição do Código Civil, esse processo ainda não está suficientemente maduro. Ainda que de fato o Código Civil tenha uma organização normativa apta a promover a efetivação da Constituição, a sua interpretação ainda está, em grande medida, pautada por critérios antigos. Por essa razão, tanto o Código Civil como a Constituição ainda representam a bandeira pela defesa dos novos direitos e pela concretização daqueles que ainda estão restritos ao nível do discurso.
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