A segurança jurídica é mesmo um verdadeiro bem jurídico imaterial e imprescindível. Parece, todavia, difícil de ser obtida. Essa almejada segurança não se coaduna com juízos estritamente pessoais nem com a imotivada negação do passado. A continuidade pode ser sintoma de compromisso com a justiça.
É certo que os enunciados normativos devem propiciar segurança como importante valor, coerente com a sociedade plasmada na Constituição brasileira. A centralidade daquele valor assentada na legalidade constitucional recolhe da metáfora grega de Archilochus o sentido do ouriço, tal como descrito em Dworkin: o ouriço sabe uma coisa muito importante.
Nada obstante, na tarefa de aplicação, de um mesmo enunciado podem emergir diversas normas como também distintas interpretações. Essa possibilidade de respostas diferentes, e às vezes incompatíveis entre si, repõe em cena, a partir da mesma metáfora antes mencionada, o significado da raposa, tal como exposta por Isaiah Berlin (no ensaio que escreveu sobre Tolstoi): a raposa sabe muitas coisas.
Se, de uma parte, a prestação jurisdicional demanda legitimamente espaço de solução do caso concreto, tem havido, de outra, choques em termos de limites e possibilidades de atuação dos julgadores, especialmente das cortes superiores no Brasil.
A realidade social e econômica tem se mostrado dinâmica, especialmente diante das inovações tecnológicas incessantes ou de mudanças normativas no plano internacional. Logo é perfeitamente compreensível (e desejável) que a conformação dos casos concretos demande novas soluções. Segurança jurídica, pois, não significa imutabilidade, mas sim um mínimo indispensável de previsibilidade, em patamares compatíveis com o dinamismo e o cosmopolitismo. Eis, então, o desafio: como encontrar a solução correta no texto constitucional e nas normas infraconstitucionais? Como não sucumbir ao reducionismo simplista da metáfora sobre ouriços e raposas?
O que se espera é que tanto o STF, em matéria constitucional, quanto o STJ, no campo da legislação federal, não apenas formalmente afirmem suas competências como consolidem a unidade do sistema jurídico, cumprindo com a missão de expor, com nitidez, as razões de seu decidir, adequadas como tradução da previsibilidade e da coerência. Não basta o encadeamento formal de precedentes (mesmo aqueles realmente merecedores de tal denominação), antes e acima de tudo, cumpre ser a imagem especular do ordenamento jurídico constitucional.
Trata-se, assim, tanto da legalidade constitucional quanto da compreensão sobre a natureza jurídica de tais precedentes. Quanto a estes, anote-se que, sim, a decisão pode não ter somente efeito meramente persuasivo. O precedente pode realmente se apresentar como binding precedent (vinculante). Impende reconhecer a aproximação dos sistemas do civil law e do common law, especialmente no redesenho atual e mitigado do stare decisis.
Hoje, ainda com maior ênfase, a ética da confiança pelo rigor da fundamentação racional das decisões alcança o sentido da segurança não apenas como garantia de legítimas expectativas, mas também como incidência material da legalidade constitucional.
De quantos corpos se comporia, então, a segurança jurídica plena? A resposta se agasalha na complexidade que pode ser arrostada pela metáfora de Kantorowicz ao divisar os dois corpos do rei.
Com efeito, a dupla imagem fornece o primeiro passo para apreender o que se revela dentro do continente que compõe a concepção de segurança plena. No primeiro corpo está o terreno da raposa, das vicissitudes da conjuntura em que se vive; numa palavra: nele se apresenta o campo das efemérides humanas, vertidas nos pronunciamentos jurisdicionais, eventualmente marcados por nova orientação (overruling); no segundo corpo, está a senda do ouriço, a unidade desejável que se exercita, também despida de sentidos insolúveis, na expressão da legalidade constitucional.
Diante dessa dualidade, é a segurança jurídica um cavaleiro de duas épocas: tanto segue e arrosta os arquétipos legislativos, bem como apreende a força construtiva dos fatos sociais complexos.
Sob o oxigênio da Constituição, essa plenitude imprime à segurança jurídica o destino do que afirmou Ihering: "não é a vida que é o conceito, antes os conceitos existem por causa da vida". Por essa dogmática jurídica crítica, a confiança na jurisdição pressupõe respeito à lei e aos seus princípios legítimos, bem como julgamentos sólidos sem surpresas. A jurisprudência, pois, não merece tal nome se variar ao sabor das percepções pessoais momentâneas.
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