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A constitucionalização do Direito de Família trouxe inúmeras benesses não só para as famílias não fundadas pelo casamento, mas também para os filhos tidos fora desta instituição. Em razão desta grande transformação, o conceito de filiação foi objeto de modificações, considerando principalmente a evolução da medicina. Se antigamente precisávamos da presunção pater est it, hoje basta a realização do exame de DNA para que tenhamos a definição sobre a paternidade.

Embora a possibilidade do teste de DNA tenha revolucionado o Direito de Família, é certo também que as bases jurídicas da tutela das famílias, reconhecidas tanto pelo Código Civil de 2002, quanto pela Constituição Federal de 1988, são bem diferentes das verificadas na vigência do Código Civil de 1916.

Tais análises laboratoriais, antes tão esperadas para a constatação da origem genética, hoje não são em si suficientes à negação de laços afetivos estabelecidos nas entidades familiares. Se o juiz, antigamente, em ações de investigação de paternidade, clamava por escassos elementos convincentes acerca de verdades biológicas, o juiz atual, em que pese lhe seja entregue vasta tecnologia para bem desempenhar sua função judicante, muitas vezes deve afastar-se da verdade concreta e analisar a verdade socioafetiva, em prol do melhor interesse da criança.

No "novo" Direito de Família, é muito clara a diferença entre o vínculo parental fundado na hereditariedade biológica e o estado de filiação derivado da relação socioafetiva construída entre pais e filhos – biológicos ou não –, dia a dia na convivência familiar, por meio do afeto.

Paulo Lôbo, de maneira pontual, leciona a este respeito: "a Constituição rompeu com os fundamentos da filiação na origem biológica e na legitimidade, quando igualou os filhos de qualquer origem, inclusive os gerados por outros pais. Do mesmo modo, o Código Civil de 2002 girou completamente da legitimidade e de sua presunção, em torno da qual a legislação anterior estabeleceu os requisitos da filiação, para a paternidade de qualquer origem, não a radicando mais e exclusivamente na origem genética. Portanto, a origem genética, por si só, não é suficiente para atribuir ou negar a paternidade, por força da interpretação sistemática do Código Civil e de sua conformidade com a Constituição".

Desta forma, a paternidade atualmente deve ser considerada gênero do qual são espécies: a paternidade biológica e a socioafetiva, ambas com os mesmos efeitos jurídicos. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica, e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar.

A prevalência do afeto encontra respaldo também no Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial no princípio do melhor interesse da criança e da proteção integral, evidenciando a necessidade de referências paterna e materna para o completo desenvolvimento psíquico-social.

Compreende-se, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, tenha condenado um pai por abandono afetivo. Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi, entendeu que "amar é faculdade, cuidar é dever." E ainda destacou que o vinculo afetivo "é que deve ser buscado e mensurado, para garantir a proteção do filho quando o sentimento for tão tênue a ponto de não sustentar, por si só, a manutenção física e psíquica do filho, por seus pais – biológicos ou não".

Cabe agora ao Poder Judiciário, a difícil tarefa de harmonizar as evidências biológicas e o afeto nas relações familiares, sempre almejando garantir o bem estar, tanto do ponto de vista físico quanto emocional da criança.

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