No dia 22 de agosto, o Juiz de Direito Rogério de Camargo Arruda, da 3ª Vara Civil, do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liminar em favor de Marcio Mantovani, paciente que, por ter sido coagido a ouvir uma segunda opinião médica e acatar a decisão do segundo, entrou com ação contra o seu plano de saúde, Sul América Cia de Seguro, uma vez que o resultado final do tratamento não foi satisfatório. Mais uma vez fica claro o já recorrente abuso das operadoras em função de pacientes cujo prognóstico é alguma cirurgia de valor elevado.
O Código de Ética Médica estipula em seu artigo 39 que é vedado ao médico opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal. A segunda opinião é um direito do paciente, ele utiliza esse direito para tirar dúvidas ou, ainda, eliminar um desconforto que comprometa a relação médico-paciente.
No entanto, o que temos visto acontecer está muito longe de um livre-arbítrio do paciente. Planos de saúde costumam encaminhar os pacientes para um médico credenciado por motivos econômico-financeiros. Algumas vezes a resposta ao pedido de realização do procedimento vem em forma de e-mail informando sobre uma consulta marcada com outro especialista, ou seja, o paciente não tem nem sequer o direito à escolha do segundo profissional.
A solicitação de uma segunda opinião é uma alternativa natural que surge diante de situações difíceis ou complexas. Porém, como as questões que envolvem a segunda opinião dizem respeito ao paciente, é necessário que ele ou seu representante legal autorizem e solicitem ao médico assistente ouvir a opinião de um colega.
Nesse mesmo sentido, médicos da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e da Sociedade Brasileira de Coluna declararam que apoiam a busca por uma segunda opinião desde que a iniciativa seja do próprio paciente.
Como já afirmou Ricardo Botelho, Diretor de Diretrizes da Sociedade Brasileira de Neurologia, em matéria publicada na revista SBN hoje, o paciente deveria escolher sua segunda opinião. Mas, do modo que as coisas estão, pacientes que representam "custos" são desviados por grupos controlados pelas operadoras com o intuito precípuo de "diminuir" o custo, normalmente negando os procedimentos ou oferecendo alternativas ou pseudoalternativas.
Como advogada especialista em direito do consumidor na área da saúde, reforço que o paciente não é obrigado a passar por essa segunda opinião imposta pelo plano de saúde.
Na prática, o que se vê acontecer é uma coação ao paciente por parte do plano de saúde. Geralmente, o plano não dá continuidade ao processo enquanto não obtiver a segunda opinião. Além disso, o paciente que se nega a passar por isso não consegue obter informações sobre o andamento do seu pedido de procedimento médico. Coibidos e sem alternativa aparente, os pacientes costumam seguir o que o plano mandou.
Diferentemente do que se pode pensar, não estou falando de alguns casos isolados. Essa prática ocorre em praticamente todos os convênios. E mais: a Sociedade Brasileira de Neurocirurgia apurou que, nesse processo de reavaliação, em quase 70% dos casos a cirurgia foi descartada.
Assim, o que está acontecendo no Brasil hoje é que os planos de saúde estão usando de um preceito da ética médica para mascarar um interesse próprio e que, muitas vezes, não traz benefício algum ao paciente, que vê seu processo se alongar e demorar cada vez mais, fora o fato de ter sua liberdade de escolha tolhida.
O paciente é prejudicado ainda por ter uma quebra involuntária na relação médico-paciente. O segundo profissional consultado não é necessariamente ruim ou antiético, mas ele não acompanhou o caso como o primeiro médico, este, por sua vez, é também vítima desse processo, uma vez que tem as suas capacidades profissionais postas à prova e seu diagnóstico, em mais da metade dos casos, é desconsiderado.
Acho importante que se saiba que, por lei, o plano de saúde não pode interferir na relação médico-paciente. Nesse sentido, cabe ao paciente impor sua vontade ao plano de saúde. E caso esta não seja acatada, ele deve fazer uma reclamação à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Destaco também que os prazos para respostas também foram determinados pela ANS. Assim, caso o paciente não tenha resposta no prazo determinado, além da reclamação à ANS, ele pode procurar auxílio do Poder Judiciário e entrar com uma ação.
O paciente pode ter quantas opiniões médicas quiser sobre sua doença, uma vez que o procedimento é importante no momento em que decisões a respeito do tratamento devem ser tomadas.
Os propósitos de fazer sempre o melhor para o paciente e de respeitar sua liberdade de escolha constituem o fundamento ético para a segunda opinião médica. Contudo, essas bases estão longe de motivar a ação dos planos de saúde. O interesse corporativo tem prevalecido sobre o bem-estar do paciente, que se vê preso entre planos de saúde gananciosos e a saúde pública de má qualidade.
Joanna Porto, advogada, é especializada em Direito do Consumidor na área da Saúde. Site: www.pgb.adv.br
Julgamento do Marco Civil da Internet e PL da IA colocam inovação em tecnologia em risco
Militares acusados de suposto golpe se movem no STF para tentar escapar de Moraes e da PF
Uma inelegibilidade bastante desproporcional
Quando a nostalgia vence a lacração: a volta do “pele-vermelha” à liga do futebol americano