O Sistema Penitenciário brasileiro para além de povoar o imaginário coletivo a partir de suas idiossincrasias é também perpassado por inúmeras simbologias. No entanto, ao se substituir toda sorte de vingança pela racionalidade pública para oferecimento de resoluções civilizatórias e humanitariamente adequadas, acabou-se por legitimar a violência estatal, então, instrumentalizada pelo sistema penitenciário, enquanto nova espécie de barbárie.

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O que se afigura hoje, razoavelmente, fazer é desvelar os interesses nem sempre publicamente confessáveis que permeiam a formulação de políticas públicas vinculadas à área da segurança. É preciso romper culturalmente com a aceitação rápida da legitimação pela formalização do emprego da violência estatal que se destina ao controle sociopenal da violência identificada como tal pelos aparelhos repressivos do Estado. Os pressupostos lógicos que autorizam e justificam a intervenção estatal, de cunho repressivo-punitivo, antes do mais, devem servir como critérios objetivos para verificação da transparência pública; senão, do próprio regime democrático.

Pois um Estado que se pretende Democrático (Constitucional) e de Direito, imperiosamente, deve não só agir de acordo com a lei, mas, fundamentalmente, deve também se submeter à lei. A democracia, nesta quadra histórica, não só deve constituir-se numa limitação de toda sorte de intervenção estatal negativa, a ser culturalmente compartilhada, mas, principalmente, num expediente deslegitimador (impeditivo) da redução da gestão pública a uma gestão meramente policial(esca).

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A governabilidade apenas se afigura legítima pela compatibilidade das estruturas organizacionais estabelecidas como acessos funcionais para a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva (emancipação subjetiva), com vistas ao exercício dos direitos individuais e das garantias fundamentais (liberdades públicas). Portanto uma das propostas que poderia ser imediatamente adotada é a de uma ampla mobilização social – através dos meios de comunicação social, agências oficiais, dentre outros – para que se rompesse culturalmente com o ciclo argumentativo que legitima toda e qualquer sorte de violência estatal (atividades negativas).

Seria possível romper com a "cultura da violência" e, assim, apenas destinar a medida legal de privação da liberdade – seja ela qual for (pena de prisão ou internação) – aos casos em que não existam outras medidas legais mais adequadas.

A experiência internacional tem oferecido importantes contribuições à reflexão do sistema penitenciário, como, por exemplo, o fechamento de inúmeros estabelecimentos prisionais, conforme ocorreu na Holanda. É preciso substituir a privação da liberdade (atividade negativa) por políticas sociais públicas específicas (atividades positivas), de inclusão, ainda que indiretamente como, por exemplo, a reestruturação do plano de cargos e salários de professores, médicos, assistentes sociais, dentre outros.

É importante destituir a legitimidade do crédito repressivopunitivista (atividade negativa) do Estado que é devedor, sim, de atribuições legais destinadas à efetivação e ao asseguramento das liberdades públicas; enfim, é destinatário de funções sociais, de cunho não repressivo-punitivo (atividades positivas). Por isso mesmo, é inadiável o avanço na destinação orçamentária, em todos os níveis de governo, para a formulação de políticas sociais públicas específicas que atendam invariavelmente à maioria da população brasileira; e não diversamente segmentos sociais hegemônicos.

De igual maneira, impõe-se a realização de sensos penitenciários e avaliações periódicas do Sistema de Justiça Penal, com o intuito de que se possa povoar com dados e informações atualizadas a situação organizacional, estrutural e administrativa das instituições prisionais.

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Essas são, pois, algumas medidas que a atuação socialmente consequente e intersetorial há muito tempo aponta como soluções viáveis a médio e longo prazo para refrear a conjugação de causas preponderantes – violências estruturais (corrupção, miséria, etc.) – que determinam o aumento da violência social urbana.

O sistema penitenciário se transformou, assim, numa expressão pós-moderna de "solução final" trágica, uma vez que encerra em si toda a (des)esperança (in)consequentemente social projetada por equivocadas opções políticas que se concentram quase que exclusivamente na "segurança pública", em vez de constituirse numa das múltiplas espécies de políticas sociais públicas específicas para a efetivação das liberdades públicas.

O gestor público não pode se transformar simplesmente num gestor policial(esco), haja vista que deve adotar todas as medidas legais necessárias para a efetivação e o asseguramento dos direitos individuais e das garantias fundamentais.

A "solução final" também, hoje, resta estabelecida pela (sub)cultura "repressivo-punitiva" no interior das estruturas prisionais do sistema penitenciário brasileiro, e, assim, organizacionalmente, difunde práticas e estereótipos excludentes de pessoas e grupos de pessoas, para além do cárcere. Essas práticas excludentes podem ser reconhecidas como "expulsões sociais" dos lugares públicos que deveriam ser assegurados a todos para o exercício da palavra e da ação.

Enfim, é uma nova versão pósmoderna de "extermínio" (controle social) – do "outro" que não (re)significa a padronização –, de toda e qualquer pessoa criminalizável dos âmbitos assecuratórios das liberdades públicas inerentes à plenitude da cidadania, senão, principalmente, do próprio regime democrático.

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