Já nos derradeiros dias da presidência Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a emenda regimental nº48, de 3 de abril de 2012, que fez incluir em seu regimento interno, no artigo 7º, o inciso VIII , bem como no artigo 354 as letras de "h" a "m", a regulamentar a solicitação de opiniões consultivas ao Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR).
Com vistas a fazer evoluir seu sistema de solução de controvérsias, os países-membros criaram o TPR por tratado, em 2002, como corte internacional permanente, com sede em Assunção, Paraguai. Composto por quatro árbitros nacionais, um por país, por indicação unilateral, e mais um quinto árbitro, representante comum e de escolha consensual, o tribunal possui competência rationae materiae, em controvérsias a envolver interpretação e aplicação de normativas do bloco.
Nesse arcabouço legal incluem-se tratados institutivos, mais normativas criadas interpartes. Alem de competência contenciosa, como instância revisora de arbitragens ad hoc, ou como eventual instância arbitral única, por indicação das partes, o TPR dispõe de competência consultiva.
Trata-se de poder formular, a pedido das mais altas instâncias judiciais dos estados-membros, de seus governos ou de instituições comuns do bloco, opiniões consultivas sobre questões específicas decorrentes de casos concretos. Com efeito, assim define o artigo 3º do Protocolo de Olivos, de 2002: "pronunciamientos fundados del Tribunal Permanente de Revisión en torno a preguntas de carácter jurídico respecto de la interpretación y aplicación de las normas Mercosur en un caso concreto, con el objeto de resguardar su aplicación uniforme en el territorio de los Estados Parte".
O Brasil não havia regulamentado tais solicitações, o que esvaziava em grande medida a atuação do tribunal. A concentrar mais de setenta por cento do PIB do Mercosul, o país é o grande contendor regional, quer pelo peso específico de sua economia, quer pela dimensão arrojada de comércio e de investimentos.
O Uruguai foi o primeiro país a regulamentar as opiniões consultivas do TPR, em 2007, seguido de Argentina e do Paraguai, já em 2008. Também foi a Suprema Corte uruguaia sua maior usuária, com a Suprema Corte argentina invocando opinião consultiva ao TPR, por decisão quase unânime, em 2009, embora a solicitação a envolver as polêmicas licenças não automáticas de comércio não tenha se concretizado,
Quer pela natureza intergovenamental do Mercosul, onde não há supranancionalidade, quer pela letra dos tratados, resta pacífico que opiniões consultivas não são mandamentais, em nada assemelhadas ao reenvio prejudicial do direito comunitário europeu: "las opiniones consultivas emitidas por el TPR no serán vinculantes ni obligatorias", conforme o Protocolo de Olivos. Há que se verificar, no entanto, que tais manifestações constituem prius logico elaborado por juristas pluranacionais, indicados pelo livre querer das partes, de especial relevância em matérias carentes de interpretação ou de harmonização hermenêutica.
Logo, a ausência de imperium, ou de obrigatoriedade formal, não desabilitam tais manifestações colegiadas, erigidas com auctoritas, a constituir valiosa ferramenta de cooperação judiciária na aplicação do direito. Como em toda a ambiência arbitral, no entanto, eventual decisão mal elaborada decorrerá exclusivamente de escolha inapropriada de árbitros. Não há arbitragem má, o que pode haver é mau árbitro.
Em que pese o eterno murmúrio das Cassandras do Mercosul, a integração regional está consolidada em mais de 50 bilhões de dólares de comércio, a par de inédita sintonia política entre governos. As inúmeras bandeiras do Mercosul que drapejam na Praça dos Três Poderes não são ilusórias. Além de Brasil e de Argentina, que mantêm índices de comércio relevantes, Paraguai e Uruguai têm obtido elevadas taxas de crescimento, com a sub-região estabilizada e blindada à crise internacional.
Porém, comércio e desenvolvimento geram inevitáveis disputas, pelo que a eficiência da solução de controvérsia é cada vez mais urgente e necessária. O Supremo fez a sua parte. Agora é imponderável que juízes, autoridades e advogados propugnem por opiniões consultivas.
Jorge Fontoura, doutor em direito, professor titular do Instituto Rio Branco, quinto árbitro do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul para o triênio 2012-2015.
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