A morte do sociólogo e teórico cultural Stuart Hall, no recente dia 10 de fevereiro de 2014, apresenta-se como uma oportunidade para rediscutir algumas das ideias centrais do estudioso, cujo trabalho "A Identidade Cultural na Pós-modernidade" (1992) se consagrou nos campos de estudo brasileiro que se comunicam com os estudos culturais, em especial, o direito, que não se perfaz cindido de um tempo e espaço, ou seja, de uma cultura, no bojo da qual se consolidam modos de existir concentrados em identidades mais ou menos móveis.

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Stuart Hall nasceu na Jamaica em 1932, em uma família multicultural (integrantes escoceses, portugueses e africanos), tendo se mudado para Inglaterra, em 1951, onde se estabeleceu e se dedicou tanto à atuação política, por exemplo, quando de sua participação nos anos 1950 em movimentos pelo desarmamento nuclear, quanto à academia, desenvolvendo pesquisas sobre estudos da mídia (em especial o discurso televisivo). Ele também estudou questões de identidade, representações sociais, cultura visual e multiculturalismo, objetos e fenômenos estes pensados em suas implicações políticas.

Como dito, o autor é celebrado por seu livro "A Identidade Cultural na Pós-modernidade", obra em que confronta o homem da sociedade moderna (que possuiria uma identidade bem definida no contexto social e cultural) e o homem pós-moderno, fruto de mudanças sociais intensas e que deslocaram identidades culturais aos limites da estabilidade e da convivência, estabelecendo-se tanto espaços de conflito entre identidades quanto novas possibilidades e experiências de modos de vida e de configuração do ser humano.

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Neste contexto, identidades de classe, sexualidade, etnia, nacionalidade e demais expressões da existência do indivíduo em uma coletividade - ao exemplo da vedação constitucional de discriminação do art. 3°, IV -, ou seja, por razões identitárias - em profusão de identidades culturais em crise, estariam abaladas nos trânsitos pós-modernos, com demandas por novos direitos e posições políticas.

O nexo político da identidade, portanto, é o vínculo de interesse dos estudos de Hall ao direito, uma vez que toda a sistemática de objetivos constitucionais, proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos subjetivos (da personalidade, fundamentais e humanos) passa pela questão das representações sociais, da política da diferença e da contemporização de identidades fraturadas e identificações rivais e deslocantes.

Ao mesmo tempo, a emergência de novas identidades produz para o direito o dever de novas interpretações e readequações da compreensão do ordenamento jurídico de sorte a garantir a tutela humana integral, permitindo a convivência pacífica e a realização do critério-fonte ético-jurídico fundamental da vida, superando-se os reducionismos existenciais da zoopolítica e da biopolítica, resgatando-se um periclitado humanismo.

Como destaca o autor, está em jogo na questão das identidades o campo dos efeitos e consequências políticas da fragmentação e pulverização delas, o que repercute diretamente no direito, em todas as suas projeções. Pode-se dizer que a percepção trazida por Hall vale como instrumento hermenêutico para qualificar e integrar a interpretação jurídica, assim como para se construírem novas categorias que tutelem identidades, permitindo adaptações razoáveis e minimizando ataques de intolerância.

Assim, com clareza, manifesta-se que o jogo das identidades influencia interpretações e decisões tanto políticas quanto jurídicas, conforme exemplifica o autor no estudo de caso da readequação ideológica da Suprema Corte norte-americana em 1991, por meio da inserção de um juiz negro de opiniões conservadoras, o que, no desenrolar dos fatos, vinculou debates sobre gênero, etnia e identidades formadas posições políticas.

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Juridicamente, portanto, a partir da atenção ao modo como as identidades são conjugadas, pode-se depreender, por exemplo, violação de princípios jurídicos como a isonomia e práticas reprovadas como a discriminação, o que só enfatiza o quão relevante é ao direito o tema das identidades, bem como se fomentar a afirmação de dimensões éticas do respeito, do reconhecimento e da consideração.

Stuart Hall é lembrado como um defensor do poder da educação para promover mudanças positivas na vida das pessoas, assim como um intérprete dos efeitos políticos das identidades e práticas culturais midiáticas. Seus esforços na decodificação de mensagens midiáticas e na demonstração da fragmentação das identidades são exemplares. A lição do pensador sobrevive para se pensar os problemas jurídicos de modo contextualizado com a sociedade e a cultura, expressando-se como instrumento imprescindível para a realização do direito, essencialmente hermenêutico e que demanda a construção de sentidos inter-relacionados para se manifestar em sua plenitude e se realizar em seu potencial.

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