Passada a euforia da comercialização dos imóveis na planta e o término do "boom" imobiliário, os problemas começaram a aparecer. Diariamente lemos notícias relatando casos de desorganização em empresas construtoras, tendo como consequência atrasos na entrega dos imóveis e a péssima qualidade de muitos deles.
Mas serão apenas fruto de desorganização ou falta de planejamento das construtoras? Será que o atraso de vários meses e até anos na entrega são os únicos castigos a que estão sujeitos aqueles que compram imóveis na planta?
Uma prática habitual do mercado imobiliário comprova que não se trata somente de falta de planejamento e de organização. O repasse dos custos de corretagem, ou a obrigatoriedade da contratação de corretores indicados pelas construtoras, é uma prática contrária a inúmeros preceitos legais e utilizada sem moderação ou pudor por praticamente todas as construtoras no país.
Corretagem é um contrato denominado típico, com parâmetros definidos em lei, sendo que a primeira regra desse tipo de contrato é a obrigatória inexistência de vínculo entre corretor e vendedor. O artigo 722 do Código Civil é bastante claro e preciso quando menciona que, "pelo contrato de corretagem, uma pessoa não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas".
A segunda regra esculpida na lei é de que a taxa de corretagem deve ser paga por quem contratou os serviços, ou seja, por quem se beneficiou do trabalho de corretagem realizado (art. 725 Código Civil). Nos casos em que os corretores atuam como verdadeiros vendedores das construtoras, quem, a não ser a própria construtora, seria a beneficiária do serviço?
A terceira regra, já aproveitando o ensejo da menção ao termo vendedor, diz respeito à obrigatoriedade que todas as empresas, de qualquer ramo, devem prestar informações sobre o produto ofertado aos consumidores/compradores. Na prática, o que ocorre é que, indiretamente, a construtora cobra do cliente por tal serviço.
A quarta regra, desta vez constante no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor, afirma que nos contratos de adesão seriam nulas as cláusulas "que se mostrem excessivamente onerosas para o consumidor". Ora, efetuar o pagamento de em média R$ 10 mil para ser atendido em um balcão de stand de vendas é, com certeza, incorrer em desvantagem excessiva. Além disso, poderia até se considerar um enriquecimento "sem causa" por parte de quem recebe, o que também é vedado pelo nosso ordenamento jurídico.
Nítido é que a pratica bem se amolda nas proibições mencionadas acima. Se os corretores atendem dentro do stand de vendas das próprias construtoras, é possível afirmar que não existe vínculo entre essas pessoas? Se as imobiliárias anunciam os empreendimentos que vendem, também não existiria vínculo dessas com as construtoras?
O que parece é que as empresas de intermediação são contratadas, efetivamente, para fomentar as vendas daquele empreendimento em particular, sendo na realidade as pontas vendedoras das empresas construtoras e, nesses casos, não apenas meras corretoras de imóveis em geral.
A abusividade desse repasse fica clara na medida em que o comparamos com as demais áreas do comércio, as quais, ao contrário das construtoras, dispendem recursos com publicidade e propaganda para divulgar seus produtos! Assim, se uma loja de roupas anuncia calças por R$ 100, não pode cobrar R$ 106 do cliente em razão dos 6% de custos com publicidade.
Tamanha a ilegalidade e a abusividade de tal prática que até mesmo algumas "manobras" adotadas por certas construtoras não retiram o caráter ilícito do seu uso, mas, ao contrário, apenas os reafirmam. Cite-se como exemplo a obrigatoriedade da contratação de um ou mais corretores para venda daquele determinado imóvel, situação que esbarra em outro preceito normativo, agora da proibição da "venda casada" (art. 39 item I do CDC).
Os poucos cidadãos que se dispõem a enfrentar um processo judicial normalmente alcançam êxito em seus pleitos e, muitas vezes, inclusive, recebem em dobro o que dispenderam com as tais taxas.
Um exemplo do que se afirma é o julgamento proferido recentemente (10/04/2014) pela 1ª Turma Recursal do Paraná no processo de nº 0001495-33.2012.8.16.0036/0. Nesse caso, o magistrado concluiu pela inexistência de um "engano justificado", como geralmente alegado pelas construtoras em defesa, entendendo que existe má-fé dessas empresas na prática de tal conduta, e assim condenando-a com a restituição em dobro dos valores recebidos na venda.
Dito julgamento e condenação em dobro reforça a visibilidade do quão abusiva é a prática. Da experiência forense se extrai que o Judiciário é bastante cauteloso com a condenação de alguém a restituir em dobro quantias indevidamente recebidas. Existe até mesmo a necessidade de comprovação de má-fé, mesmo que o texto de lei não faça menção a tal requisito. Parece, então, e pelo menos ao olhos do Poder Judiciário, que dúvidas não pairam sobre a abusividade e a verdadeira má-fé em tais "condutas de praxe".
A impressão é de que no Brasil não estamos carentes apenas de empresas que atuem de forma absolutamente correta e de acordo com as leis ou de um Judiciário eficaz. O que falta é cultura, conhecimento e espírito de verdadeira revolta por parte dos consumidores, nos mais diversos setores. Muita "coisa de praxe" vai na contramão do desenvolvimento social e da própria lei. Até mesmo, parando-se para refletir no conceito deste termo na visão de determinadas construtoras, percebe-se que o mesmo não seria sinônimo de rotina, mas sim de "pague sem reclamar ou questionar".
Felipe Gomes Batista, advogado, é especializado em direito imobiliário.