O fenômeno globalizatório, grande catalizador da desigualdade no plano internacional, tem seu auge a partir da segunda metade do século 20, quando os Estados se defrontaram com uma nova realidade, em que os desafios que lhes são impostos deixam de encontrar solução no direito interno, constrangendo-os a buscar a cooperação e a regulamentação internacionais para problemas que passam a ser globais. Entre estes, situa-se o desenvolvimento da criminalidade transnacional, a exemplo dos vários tipos de tráficos internacionais, como o tráfico de drogas, de armas e o tráfico de pessoas para diversos fins.

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Atualmente, o tráfico de pessoas, considerado como forma moderna de escravidão, é uma das atividades mais rentáveis do crime organizado no mundo, perdendo em lucratividade apenas para o tráfico de drogas e de armas. Estima-se que da totalidade de vítimas, quase a metade seja subjugada para exploração sexual.

As abordagens e compreensões já construídas demonstram que o tráfico de pessoas não tem causa única, mas resulta de uma série de fatores relacionados às oportunidades de trabalho, aos fluxos migratórios, à busca por melhores condições de vida, às desigualdades sociais e à discriminação. Para seu efetivo enfrentamento, são necessárias ações nacionais, internacionais, jurídicas e políticas, articuladas e intersetoriais, estruturadas em três eixos estratégicos, os quais incluem a prevenção, a atenção às vítimas e a repressão.

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A prevenção visa a minimizar a fragilidade de determinados grupos sociais, fomentar políticas públicas de combate e realizar pesquisas para a coleta de informações. Já o eixo de atenção às vítimas, nacionais ou estrangeiras, visa ao seu devido tratamento e reinserção social com adequada assistência consular e acesso à Justiça de forma não discriminatória.

Quanto à repressão, a intenção está em fiscalizar, controlar, investigar e responsabilizar. Os mais importantes instrumentos internacionais para o enfrentamento do tráfico internacional de pessoas são o Protocolo Adicional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças e o Protocolo Adicional relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, ambos adotados em 2000 e ratificados pelo Brasil em 2004, que complementam a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. O Código Penal pátrio promoveu a adequação legislativa em 2006 e 2009, por meio do artigo 231 que, todavia, ainda necessita de aprimoramentos.

O "tráfico de pessoas" é definido na legislação internacional como o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, fraude, engano, abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. Vale ressaltar que, no caso de crianças e adolescentes, mesmo sem o emprego desses meios coercitivos, o simples recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou acolhimento para fins de exploração será considerado tráfico de pessoas.

Percebe-se que o tráfico de pessoas nutre estreita relação com o trabalho forçado, pois sua principal finalidade é fornecer mão de obra para o trabalho forçado, seja para a exploração sexual comercial, econômica, ou para ambas. Trabalho forçado, na definição da Organização Internacional do Trabalho, significa todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual ela não tiver se oferecido espontaneamente.

Do ponto de vista nacional, o Brasil só direcionou esforços para o enfrentamento ao tráfico de seres humanos quando pesquisas o incluíram nas rotas internacionais, evidenciando também a existência de rotas nacionais. Em 2006, foi adotada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP), tornando o problema alvo de uma política de Estado. O Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, previsto pela PNETP, foi instituído em 2008 e objetiva dar concretude aos princípios, diretrizes e ações plasmados nesta política. Dados recentes da ONU apontam a existência de 241 rotas do tráfico no país, sendo 110 de tráfico interno e 131 de tráfico internacional. As regiões Norte e Nordeste têm a maior concentração dessas rotas.

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No entanto, a constituição de uma rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil e no mundo continua sendo um desafio, pois se trata de fenômeno complexo e multifacetado. Impulsionadas pela globalização, a pobreza e a consequente violação dos direitos humanos contribuem decisivamente para a vulnerabilidade a qualquer tipo de exploração. Além dos mecanismos nacionais de prevenção, assistência às vítimas e repressão, o combate ao tráfico de pessoas exige a reorientação da política internacional para uma "globalização ascendente", no sentido de progredir para uma melhor distribuição de riquezas em nível global e uma maior proteção dos direitos humanos.