Todo ato de custódia pessoal envolve o potencial uso de dispositivos inibidores de comportamento desviante, tais como algema e compartimento celular em veículo de transporte.

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Não há uma disciplina específica no atual Código de Processo Penal, exceto breve e isolada referência quanto ao rito do júri (art. 474, § 3º). A lei de execuções penais, de 1984, remete a disciplina da matéria a decreto federal nunca editado (art. 199).

A única "fonte normativa" nacional provém de uma Súmula Vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal, com a seguinte redação: "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado".

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Ao contrário do que é praxe em muitos países e, de certa forma, era a regra na prática policial nacional, o uso de algemas é medida excepcional. Portanto a regra é a não utilização de algemas, salvo nas hipóteses previstas no texto.

Andou bem o direito sumular. Em matéria de direitos do cidadão vige o princípio da mínima intervenção, a fazer com que quaisquer medidas estatais limitadoras de garantias e liberdades estejam restritas à absoluta e justificada necessidade.

A súmula foi além e ditou quais seriam as hipóteses excepcionais, embora ainda com conceitos (necessariamente) vagos. Somente a riqueza do caso concreto poderá fornecer os elementos necessários e suficientes para fundamentar eventual uso.

Enquanto medida excepcional, deverá estar vinculada a duas finalidades: prevenir fuga ou reação indevida; prevenir agressão do preso contra os policiais, terceiros ou o próprio preso.

O receio de fuga e de agressão indevida, como requisito para emprego de algemas, deve estar fundamentado em dados objetivos, em fatos concretos, não bastando, portanto, meras suposições, ilações subjetivas, "achismos", sob pena de inverter a lógica do dispositivo, transformando exceção em regra.

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Por outro lado, vale não deslembrar que o ato prisional é tenso por essência, natural e comum que o receio de fuga ou agressão orbitem, inúmeras vezes, na diligência, não cabendo à equipe um agir passivo, aguardando eventos inesperados. Espera-se do agente uma postura proativa e atenta às circunstâncias concretas.

Em conclusão, o uso de algemas é medida excepcional, mas é muito comum que, em ato prisional, flagrancional ou em cumprimento à ordem judicial, haja a concreta necessidade de seu uso.

A súmula ainda exige que os fundamentos do uso devam estar consignados por escrito. Não basta a autoridade policial de segurança pública dizer que suspeitou de fuga ou ato agressivo, precisa fundamentar, por escrito, as razões objetivas que motivaram a medida policial (excepcional).

A súmula estipula que o descumprimento de seu conteúdo normativo pode acarretar responsabilidades cível, criminal e administrativa. Reflete a tríplice responsabilidade a que está sujeito todo agente estatal diante de atos injurídicos.

Decorrência da importância dada ao tema pelo Supremo Tribunal Federal, a súmula prevê como consequência a nulidade da prisão ou do ato processual.

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Nesse aspecto, temos que pecou a súmula, pois acarreta uma consequência desproporcional, com lesão aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Afinal, eventual vício no uso ou não de algemas não deveria interferir diretamente na lisura jurídica do ato em si.

No Direito Processual Penal brasileiro tem sido uma tendência a atribuição de nulidade absoluta a vícios que não afetam diretamente o elemento de prova. O uso de algemas, via de regra, não afeta o ato processual.

A partir do comando normativo, situações fáticas de estado flagrancional, com imperiosa necessidade de prisão cautelar, poderiam ser relaxadas independentemente das demais circunstâncias jurídicas legitimadoras do ato. Temos que os efeitos da súmula devem ser sopesados e mitigados a partir do caso concreto.

Por fim, embora esta discussão ainda não tenha tomado o cenário jurídico, imperioso refletir sobre a extensão do conteúdo da súmula para uma situação semelhante: o emprego de compartimento celular de viaturas policiais, os vulgarmente chamados "camburões".

Entendemos que o mesmo raciocínio pode ser usado no sentido que o transporte de presos (principalmente em flagrante delito) somente possa ser realizado em compartimento celular da viatura em caso de resistência e fundado receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia. Onde a mesma razão, a mesma disposição.

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Em matéria de direitos humanos, as interpretações equilibradas que mais favoreçam a dignidade da pessoa humana, tanto do preso, quanto do profissional de segurança pública, são sempre bem-vindas. O uso de compartimento celular também é uma medida que deveria ser utilizada somente de forma excepcional.

Enfim, toda e qualquer medida que represente a manifestação estatal de imperium, especialmente no campo policial, deve estar, prévia e expressamente, respaldada na excepcionalidade que a condiciona, sob pena de subversão dos cânones de um Estado Democrático de Direito.

Alessandro José Fernandes de Oliveira, procurador da República, é procurador-chefe substituto do Ministério Público Federal no Paraná.