A Lei 8.078/90 ou Código de Defesa do Consumidor (CDC), como é chamado por todos, trouxe, sem sombra de dúvida, novos ares para o mercado consumidor. Mas, apesar de seus 22 anos de vigência, mesmo os operadores do direito ainda têm muitas dúvidas quanto à sua aplicação.
Situações envolvendo vícios nos produtos, especialmente aqueles considerados duráveis, ou seja, que não se consomem com poucas utilizações, são responsáveis pelo grande número de reclamações, tanto nos órgãos de defesa do consumidor, quanto no Poder Judiciário.
Segundo Antonio Herman de V. e Benjamin, um dos autores do anteprojeto do CDC e ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o código busca proteger o sujeito de direitos o consumidor, vulnerável no mercado de consumo a partir de duas órbitas distintas. A primeira delas corresponde à garantia de sua incolumidade físico-psíquica e a segunda tem como objetivo proteger o patrimônio do consumidor. Finaliza dizendo que é o ataque à incolumidade econômica do consumidor que mais aparece no seu relacionamento com o fornecedor.
Importante, neste momento, trazer a lume o conceito de vício oculto. De acordo com o CDC, os vícios nos produtos podem ser de duas ordens: aparentes, o que corresponde àqueles que se manifestam tão logo o consumidor inicia a utilização, ou ainda, ocultos, que podem vir a manifestar-se com a utilização extraordinária do produto, às vezes, inclusive, após alguns anos de uso.
Nesta perspectiva, quando instados pelos consumidores quanto à responsabilização por eventuais vícios apresentados em seus produtos, é comum ouvir de fabricantes, vendedores ou comerciantes que, vencida a garantia, nada poderá ser feito em razão de ter "chegado ao fim" o prazo para reclamação. Podemos afirmar que "não é bem assim!".
Tomemos como exemplo a compra de uma geladeira. No momento da aquisição do produto, foi ofertado ao consumidor prazo de garantia de um ano, prática comum no mercado da chamada linha branca. O prazo em questão, vez que maior do que aquele assegurado pela legislação, corresponde à garantia contratual, cuja previsão encontra-se no art. 50 do diploma consumerista, e funciona, a bem da verdade, como um argumento de venda.
Pois bem, passados dois anos e meio após a compra, vamos supor que a geladeira simplesmente parou de funcionar em razão de um vício de fabricação. E, quando questionados, os fornecedores lembrando que, nestas situações, a responsabilidade entre todos os integrantes da cadeia produtiva é solidária alegam que, uma vez terminado o prazo de um ano, como o produto não está mais "na garantia", os custos com o conserto devem ser suportados pelo consumidor.
Ora, o Código do Consumidor prevê expressamente no artigo 26, § 3º, que "tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito". Desta forma, se estivermos diante de um vício oculto, é possível, sim, o consumidor reclamar e, mais do que isso, exigir que o fornecedor sane o vício sem qualquer custo.
Outra questão que se coloca diz respeito ao prazo que o consumidor tem para apresentar sua reclamação. Ainda no nosso exemplo, como geladeira é produto durável, de acordo com o regime instituído pelo CDC, o consumidor terá 90 dias a contar do momento em que o vício se manifestar para reclamar. Caso o consumidor não o faça neste prazo, seu direito caduca, pois os prazos são decadenciais, logo, fatais.
Antecipando eventual contra-argumento que pode ser utilizado pelos fornecedores e destacando aquele que talvez seja o principal deles, podemos dizer: a garantia, nesta perspectiva, seria eterna?
Óbvio que não! É cediço que, quanto maior o tempo transcorrido, menor é a possibilidade de estar diante de um vício oculto. Todavia, imperioso levar em consideração a durabilidade do produto que está a apresentar o vício. O que nos leva à seguinte indagação: é razoável supor que uma geladeira, um aparelho televisor ou uma máquina de lavar durem dois anos e meio?
Da mesma forma, a resposta é a seguinte: é óbvio que não! E o mesmo raciocínio pode ser utilizado em relação a uma infinidade de produtos colocados à disposição no mercado de consumo, como automóveis, eletrodomésticos, acessórios, eletroeletrônicos, roupas e por aí vai.
E a lei é clara. Tratando-se de um vício de fabricação, mesmo que se manifeste muito tempo após a tradição e afastadas, portanto as hipóteses de desgaste natural e mau uso, estas, sim, eximentes de responsabilidade, é dever do fornecedor solucionar o problema apresentado.
Claudia Silvano, advogada, pedagoga, coordenadora do Procon-PR e professora nos cursos de graduação e pós-graduação de Direito do Consumidor na Unifae, Faculdade Dom Bosco e Curso Jurídico.