RECURSO ESPECIAL Nº 1.023.172 - SP (2008/0012014-0)
EMENTAPROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA AJUIZADA SOB A ÉGIDE DO DECRETO-LEI 7.661/1945. IMPONTUALIDADE. DÉBITO DE VALOR ÍNFIMO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
1. O princípio da preservação da empresa cumpre preceito da norma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder constituinte originário, de modo que refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores inexpressivos provocarem a quebra da sociedade comercial, em detrimento da satisfação de dívida que não ostenta valor compatível com a repercussão sócio-econômica da decretação da quebra.
2. A decretação da falência, ainda que o pedido tenha sido formulado sob a sistemática do Decreto-Lei 7.661/45, deve observar o valor mínimo exigido pelo art. 94 da Lei 11.101/2005, privilegiando-se o princípio da preservação da empresa. Precedentes.
3. Recurso especial não provido.
Análise
A lei no tempo e o princípio da preservação da empresa
Em recentes decisões, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem aplicado o princípio da preservação da empresa às falências requeridas sob a égide do Decreto-lei nº 7.661/45. Tal posicionamento tem gerado polêmica tendo em vista que as ações de falência ajuizadas com base na insolvência, antes do advento da Lei 11.101/2005, não exigiam um valor mínimo para tanto.
Desta forma, muitos credores requeriam a falência da sociedade empresária com intuito meramente executório. Cabe ressaltar que o decreto-lei em questão foi editado em um cenário político-econômico que em muito se difere do cenário atual. O Brasil encontrava-se em estado de exceção, durante a chamada Era Vargas, sob a égide da Constituição de 1937. Os decreto-leis editados à época traduziam a intervenção do Estado na economia. A antiga lei de falências, neste contexto, priorizava o objetivo liquidatório das empresas insolventes.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, estabeleceu-se uma ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo como objetivos a dignidade da pessoa humana e a realização da justiça social. Ainda, a Carta Magna estabeleceu princípios regentes desta ordem econômica, quais sejam: a propriedade privada, a função social, a livre concorrência, a proteção do consumidor, a proteção do meio ambiente, a busca do pleno emprego e o tratamento diferenciado às empresas de pequeno porte constituídas sob a legislação pátria e que aqui estejam estabelecidas.
Neste novo ambiente constitucional não fazia mais sentido uma lei de falências com o perfil do decreto-lei nº 7.661/45. Tanto é verdade que no ano de 2005 entrou em vigor a Lei de Falências e Recuperação de Empresas que se coaduna com os objetivos constitucionais. Esta nova lei exige um valor mínimo para que se possa requerer a falência de uma sociedade com base na impontualidade.
As recentes decisões do STJ, nesta esteira, têm levado em consideração não apenas o disposto no decreto-lei supramencionado, que permitia a decretação da falência de uma sociedade empresária independentemente do valor do débito que aquele que a requereu tinha com ela, mas os princípios que regem a ordem econômica na atual constituição. Não se trata de contradição ou desobediência à lei vigente quando do requerimento da falência, mas da necessária adequação aos valores defendidos pela CF/88.
Eloete Camilli Oliveira, advogada, doutora em Direito das Relações Sociais pela UFPR, mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, professora de Direito Empresarial do UniCuritiba e da PUCPR
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