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Com a notoriedade que o julgamento do mensalão ganhou perante a sociedade brasileira, pergunta-se constantemente a respeito do cabimento ou não de eventual recurso da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O recurso poderia servir para protelar o trânsito em julgado da condenação, procrastinando a expedição de eventual mandado de prisão, ou para a revisão da decisão proferida por aquela corte.

Ouve-se muito falar em revisão criminal, recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, enfim, possibilidades que não impedem o trânsito em julgado da sentença.

Como se trata de julgamento realizado pelo mais alto tribunal do país, é óbvio não haver órgão superior para revisar o feito. Ainda mais que a decisão se dará pelo plenário do STF, órgão máximo interno da casa.

Vamos, então, à pergunta que não quer calar: cabe recurso da sentença condenatória?

Avaliando-se de modo simplista o disposto na Lei nº 8.038/90, que dispõe a respeito do procedimento a ser aplicado nas ações penais de competência originária da Suprema Corte – vide artigos 1º ao 12º – nota-se que não há qualquer previsão recursal. Portanto estaria resolvida a questão.

Contudo, não é tão simples assim. O artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, é claro em suscitar o cabimento dos embargos infringentes de decisão não unânime proferida pelo plenário da corte. Para o cabimento do referido recurso, é necessária a existência de, no mínimo, quatro votos divergentes, ressalvados os casos de sessão secreta, o que não é o caso, nos termos do parágrafo único do artigo 333 do mesmo codex.

Percebe-se, então, que o questionamento que deve ser enfrentado é a respeito de qual legislação aplicar, tendo em vista que o Regimento Interno do Supremo entrou em vigor em 1º de dezembro de 1980, data esta anterior à Constituição de 1988, e a Lei 8.038/90 é posterior à Carta Magna.

Assim, interpretando-se a matéria conforme o artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, tem-se que a competência para legislar a respeito de matéria processual penal é exclusiva da União, razão pela qual a norma do artigo 333, inciso I, do RI do STF estaria revogada tacitamente com o advento da Lei 8.038/90, que trata especificamente da matéria.

Isso faz com que a discussão paire justamente nesse sentido, qual seja, da necessidade da corte apreciar a antinomia infraconstitucional e constitucional que coloca frente a frente o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a Lei 8.038 e a Constituição Federal.

E foi justamente nesse sentido que o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 16/11/2011, o AI 654.148 - Agr-EDv-AgR-ED – de relatoria do ministro Celso de Mello, firmou entendimento de que é possível constitucionalmente, sob a ordem da Carta Federal de 1969, o Supremo Tribunal dispor, em sede de regimento interno, sobre normas de direito processual, norma esta que foi recepcionada pela Constituição de 1988 com força e eficácia de lei. No mencionado julgamento, o Pleno do tribunal declarou constitucional o artigo 331 do seu RI.

Há de se mencionar que não é recente referido posicionamento da Suprema Corte, tendo-se em vista que, de modo interativo, a jurisprudência da corte tem se manifestado no sentido de que o seu regimento interno ostenta força, valor, eficácia e autoridade de norma legal. Nesse sentido, citam-se os seguintes precedentes: RTJ 147/1010 e RTJ 151/278.

Em sendo assim, avaliando o aspecto normativo do tema e a abordagem feita anteriormente pelo próprio Supremo, tem-se que deve ser reconhecido como válido o artigo 333, inciso I, do seu Regimento Interno, para firmar posicionamento no sentido de que cabem, sim, embargos infringentes no presente caso, até porque o fato de a Lei 8.038 silenciar a respeito do cabimento dos referidos embargos nos julgamentos das ações penais originárias perante o Supremo Tribunal Federal não significa que a prática esteja proibida pela legislação. Deve-se interpretar referida norma interna conforme a Constituição Federal, observando-se as garantias processuais constitucionais, como, por exemplo, a da ampla defesa, do devido processo legal e do contraditório. Desta forma, tal interpretação estaria de acordo com a Carta Magna de 1988, garantindo que a Corte Suprema dê eficácia legislativa ao disposto em seu Regimento Interno e receba eventuais embargos infringentes interpostos pelos acusados.

Tais razões justificam a tese de que a expedição de eventual mandado de prisão aos acusados estaria sobrestada até o julgamento dos referidos embargos, adiando, portanto, o trânsito em julgado da sentença condenatória.

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