O fator previdenciário é um índice atuarial instituído pela Lei 9.876/99 que leva em conta o tempo de contribuição, a idade e a expectativa de sobrevida do segurado da Previdência Social, gerida pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Na prática, este instituto reduz sensivelmente o valor da aposentadoria por tempo de contribuição.

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Imagine quem trabalhou ininterruptamente desde os 18 anos de idade e atenda aos requisitos constitucionais de 30 ou 35 anos de tempo de contribuição: no casos das mulheres, a redução é de até 44%; no dos homens, de até 33%. A finalidade desse índice, quando instituído, era de que o trabalhador preferisse continuar trabalhando por mais alguns anos até que o prejuízo deixasse de ser sensível, evitando-se assim aposentadorias ditas prematuras.

Dos exemplos acima, decorrem duas conclusões. Primeira: se a reforma da Previdência de 1998 extinguiu as aposentadorias proporcionais (a partir dos 25 anos de tempo de serviço para mulheres e 30 para homens com redução de até 30% no valor dos benefícios), a Lei 9.876/99 tornou proporcionais praticamente todas as aposentadorias por tempo de contribuição integrais. Hoje, estas pagam menos do que aquelas pagavam até 1998. As integrais foram, portanto, na prática, extintas. De efeitos integrais mesmo, restam apenas as aposentadorias por idade, invalidez e especial. Segunda: o efeito desse desconto de até 44% é sensivelmente maior do que o das contribuições previdenciárias sobre a remuneração dos trabalhadores em atividade. Considerando que as alíquotas para o trabalhador vão de 5% a 20% (não contabilizando, portanto, as contribuições para empregadores; sobre risco de acidentes de trabalho e em razão de atividade especial), é possível afirmar que, na prática, os aposentados por tempo de contribuição, prejudicados pelo fator previdenciário, são, relativamente, os maiores contribuintes da previdência de que deveriam ser, simplesmente, beneficiários.

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A injustiça é gritante e as aposentadorias prematuras não foram inibidas. Depois de doze anos de vigência e cerca de R$ 40 bilhões de economia, o governo estuda extinguir o fator previdenciário para instituir, em seu lugar, a chamada fórmula 85/95 como requisito para concessão das aposentadorias por tempo de contribuição, no pacote da nova reforma da Previdência. A repercussão dessa notícia – que não é nova, tendo em vista que a proposta está na pauta do Congresso desde o início do governo Dilma – gera expectativa entre os trabalhadores que estão contando os dias para requerer suas aposentadorias. É preciso, então, aclarar os reais efeitos das novas regras.

Sob essa proposta, mulheres deverão alcançar 85 pontos, homens 95, entre anos de idade e anos de tempo de contribuição, para conseguir a aposentadoria integral por tempo de contribuição. Assim, no nosso exemplo acima, de quem trabalhou de forma contínua desde os 18 anos de idade e cumpriu as atuais exigências constitucionais para concessão de aposentadoria (30 e 35 anos de tempo de contribuição), somará 48 + 30 = 78 (mulheres) ou 53 + 35 = 88 (homens). Se hoje essas pessoas conseguem se aposentar, apesar do prejuízo causado pelo fator previdenciário, como se vê acima, depois da instituição dessa nova regra elas passarão a não ter o direito ao benefício, nas mesmas condições. Vão precisar de mais sete pontos entre anos de idade e de trabalho formal (pelo menos mais três anos e meio na ativa) para conseguir se aposentar.

Assim, o prejuízo muda de feição, mas não fica menor. O benefício, de fato, quando concedido, anos mais tarde, não terá o decréscimo de até 44% do fator previdenciário. Nesses três anos e meio, entretanto, o segurado deixará de receber a aposentadoria (42 prestações mais 3 abonos anuais) e ainda pagará 42 meses de contribuições. Dando contornos concretos, imagine-se um benefício que seja reduzido de 1,5 mil para cerca de mil reais pelo fator previdenciário, nas regras atuais. Com a nova regra, não sofrerá esse desconto, mas na prática o prejuízo é evidente: 45 mil reais a título de aposentadoria que deixará de receber, mais cerca de 7,4 mil reais em contribuições, ambos referentes ao período de três anos e meio sem o benefício. Ou seja, substitui-se um prejuízo mensal de quinhentos reais por outro de mais de cinquenta mil reais.

O dito fim do fator previdenciário, nesse caminho, é apenas a continuação do processo de retração da proteção social que dialoga com as demandas – sempre urgentes – por crescimento econômico. No final das contas, os aposentados, depois de financiarem o sistema previdenciário ao longo da vida, ao invés de contar com o financiamento adequado e proporcional de seus benefícios pela população ativa, passam a ser também financiadores do sistema econômico. As pessoas, instrumentos de realização da economia. É o avesso, nada mais.

Noa Piatã Bassfeld Gnata, advogado, membro da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-PR, professor de Direito Previdenciário.

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