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Equilíbrio

Diferença entre instâncias precisa de tempo para mudar

Para o CNJ, quaisquer medidas tomadas terão resultados a médio e longo prazo. Além da distribuição equânime de servidores e do orçamento, o conselho considera que terão de ser refeitas as técnicas de gestão. "Em todos os estados, quando comparamos o primeiro e o segundo grau de jurisdição, há diferença muito grande. Em alguns, o primeiro grau está em estado de súplica e precisa ser ressuscitado. Além de mais investimento e de desconcentrar o orçamento, teremos de modificar a cultura de gestão, fazendo uso mais eficaz dos recursos e elegendo prioridades", comenta Rubens Curado, conselheiro do CNJ.

Com a audiência pública realizada nessa semana, a intenção do conselho é sistematizar a preocupação com o primeiro grau. "O problema já foi diagnosticado há muito tempo. Mas a adoção dessas prioridades como política judiciária é a novidade", aponta Curado, que acredita que, das discussões feitas na audiência pública, seja possível elencar ações que serão adotadas nos tribunais estaduais entre 2015 e 2020.

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Prioridades

No Paraná, TJ vai mapear necessidades no interior

O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) começou, nesta semana, a mapear o primeiro grau de jurisdição no estado e, a partir daí, vai realocar ou priorizar investimentos. Para a administração do tribunal será preciso verificar o que cada região precisa.

A partir de 2010, o órgão defende que deu mais atenção ao primeiro grau. "Foram criadas novas comarcas e novos cargos, dando uma estrutura mais robusta para o tribunal. Mas isso ainda não foi suficiente para diminuir a carga de processos dos juízes", comenta o desembargador Roberto Bacellar, responsável pelo levantamento.

Ele afirma que a intenção do TJ-PR também é entender onde há maior taxa de congestionamento e quais são as causas. "Vamos verificar qual é a estrutura mínima que cada juiz precisa, onde há maior deficiência de estrutura e se isso tem sido causa para demora da prestação jurisdicional; ou ainda, se os servidores precisam de capacitação. O maior desafio é baixar o número de processos com qualidade, por isso é preciso entender a situação", diz.

Celeridade depende de mudança na legislação

Além de investimento em estrutura e pessoal, mudanças na legislação poderia ser ponto chave para agilidade na Justiça de primeiro grau. Para o presidente da AMB, João Ricardo Costa, a lei é arcaica para resolver litígios individuais. "O Código de Processo Civil brasileiro foi feito para resolver conflitos interpartes, mas a demanda por Justiça, atualmente, envolve megalitígios, que são semelhantes, mas precisam ser decididos um a um", reclama. Ele cita com exemplo as empresas prestadoras de serviço, como telefonia, planos de saúde e instituições bancárias. "Há milhares de ações repetitivas se uma cobrança é feita de forma indevida. Isso é um fator de tensionamento social, porque a demanda fica pendente. Os códigos deviam prever, nesses casos, que apenas uma ação signifique a recomposição do dano universal, sem precisar recorrer ao Judiciário", comenta.

Para ele, para resolver a efetividade da Justiça seria preciso entender o impacto econômico dessas ações. "É preciso expor essa deficiência. O sistema de serviços regulados e o estado estão entre os maiores litigantes. Isso consome recurso do Judiciário e demonstra um problema anterior. Temos de racionalizar a atividade jurídica e diminuir os processos repetitivos para poder investir em estrutura e servidores", defende Costa.

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É lugar-comum se referir ao Judiciário como um poder lento e moroso. Essa sensação de lentidão não faz parte apenas do imaginário: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) calcula que, em todo o país, a taxa de congestionamento de processos que tramitam na primeira instância do Judi­­ciário é de 72%, 20 pontos percentuais superior a da segunda. O primeiro grau de jurisdição é a porta de entrada da sociedade no Judiciário, mas também é o gargalo do sistema. A estimativa do órgão é que 90% dos processos em andamento estejam nas comarcas do primeiro grau de jurisdição.

Esse panorama, em certa medida, pode ser considerado até positivo: depois da promulgação da Constituição de 1988, houve um movimento de acesso à Justiça. "As pessoas souberam que tinham direitos e isso é bom. Mas gerou um volume de situações que ficaram represadas e a estrutura do Judiciário não acompanhou", resume Sandro Gilbert Martins, professor de Direito Processual Civil da UniCuritiba.

De acordo com ele, quando se percebeu o aumento do acesso ao Judiciário, a primeira preocupação foi com as cortes. "Houve um intervalo de tempo até que se percebesse que o primeiro grau também precisava de atenção", aponta o professor. Essa é a motivação de uma audiência pública promovida pelo CNJ no começo dessa semana. O órgão reuniu várias entidades e tribunais de todo o país para discutir a distribuição de recursos e servidores para primeira e segunda instância, além da participação maior do primeiro grau nas decisões dos tribunais estaduais.

Investimento no primeiro grau e democratização da gestão dos tribunais é o caminho apontado pelos especialistas para aperfeiçoar os serviços prestados na primeira jurisdição. No entanto, não dá para descuidar do segundo grau. "É uma gangorra. Não vai adiantar focar no aperfeiçoamento de uma instância e esquecer a outra. É preciso equilibrar a gestão", diz Martins.

O juiz da 26ª Vara Cível de Curitiba e professor da Escola da Magistratura do Paraná (Emap), Rodrigo Otávio do Amaral, aponta que esse desequilíbrio no investimento e consequente congestionamento no primeiro grau pode gerar um esvaziamento nas cortes. "Um segundo grau forte depende de investimento no primeiro", observa.

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Caminhos

Para a Associação dos Ma­­gis­­trados do Brasil (AMB), a democratização do orçamento do Judiciário é essencial para que o cenário de eficiência no primeiro grau se transforme. "É uma questão essencial que todos os juízes participem da divisão do orçamento. Observamos a diferença em quase todos os tribunais brasileiros: as cortes estão mais bem equipadas que os fóruns", aponta João Ricardo Costa, que preside a entidade. Para Costa, a adoção de um orçamento participativo, que conte com a sugestão dos juízes de primeiro grau, é mais eficiente porque são eles que estão na "linha de frente".

"A nossa proposta é uma mudança de paradigma para com o primeiro grau. Os juízes dessa instância também deveriam participar da eleição para presidente do Tribunal de Justiça, para que a administração tivesse maior comprometimento", elenca o presidente da AMB.

Para Amaral, que atua há 17 anos na magistratura do Paraná, a consolidação da estrutura do gabinete do juiz é essencial para dar vazão aos processos. "Com servidores à disposição, o juiz pode aumentar sua capacidade, uma vez que os casos mais simples podem ser delegados e haverá mais tempo para se dedicar aos mais complexos", afirma.

Execução fiscal é gargalo para primeiro grau

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Toda vez o contribuinte está em dívida com os órgãos públicos, é por meio do Poder Judiciário que a cobrança acontece. Para Rubens Curado, conselheiro do CNJ, não há solução para a morosidade do primeiro grau de jurisdição que não passe por uma reforma na execução fiscal. "Calculamos que um terço dos processos seja dessa natureza. E todos passam pelo Judiciário. Se houvesse outra forma de cobrança, poderíamos ser mais céleres", aponta.

Entre as possibilidades para diminuir o volume de execuções fiscais, estão propostas que preveem penhora de bens administrativa ou judicialização apenas dos embargos de execução. Estudo do CNJ em parceria com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) calculou que, devido ao congestionamento do Judiciário, o devedor leva, em média, cinco anos para ser comunicado sobre a dívida. "O ideal é que a administração pública cobre diretamente o contribuinte. Por trás desse grande volume de processos, vemos que há uma cultura de não pagamento de impostos e a forma de cobrança poderia ser fator de mudança", aponta Curado.