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A ditadura militar findou há um quarto de século, mas há um setor da administração pública cujos comportamentos e práticas abusivos, bem como maus modos, ainda lembram os daquele período. De fato, o fisco ainda trata o contribuinte como um súdito e não um cidadão. Em todos estes anos, o que se assistiu foi o implacável recrudescimento dos mecanismos fiscais de compressão do contribuinte: floração de obrigações acessórias; quebra de sigilo bancário sem prévia autorização judicial; fixação de sanções desproporcionais, especialmente multas; apreensão de bens e mercadorias em casos que não envolvem contrabando; e outros tantos meios abusivos para dificultar ou até impedir o exercício de atividades empresariais legítimas. Multipliquem-se tais exigências e outras tantas pela União Federal, pelos vinte e seis Estados (mais Distrito Federal) e pelos mais de cinco mil municípios brasileiros, e o resultado é não só o carnaval jurídico tributário de que falava Alfredo Augusto Becker, mas o inferno tributário.

O Leviatã fiscal, que nele habita, agiganta-se e multiplica-se, pois todas as instituições do país, tanto públicas como privadas, são transformadas em servos, agentes arrecadatórios, por via da retenção na fonte de tributos, das declarações sobre operações praticadas por terceiros, do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), etc. Mais intrusivo que o Big Brother Brasil (BBB) é o BBF (Big Brother Fiscal), que lança uma rede digital de vigilância e monitoramento eletrônicos sobre todos.

Contra essa avalanche, os direitos e garantias previstos na Constituição e no Código Tributário Nacional já não oferecem anteparo suficiente. Há patente necessidade de complementá-los com regras de caráter mais específico. Além disso, também é desejável uma ampliação do rol de direitos do contribuinte, para fazer frente ao ininterrupto fortalecimento do poder do fisco. Por isso, oportuna a retomada de interesse na elaboração de um Código de Defesa do Contribuinte, a partir de projeto apresentado em 2011 pela Senadora Katia Abreu (PLS 298/11).

Esse projeto, que é muito inspirado no Código de Defesa do Contribuinte do Paraná (Lei Complementar Estadual 107/05), aguarda parecer na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Porém, vale lembrar que projeto anterior sobre o mesmo tema, apresentado há mais 10 anos pelo senador Bornhausen, foi simplesmente abandonado no Senado, até ser finalmente arquivado. Assim, se não houver engajamento da sociedade civil, é provável que o atual tenha o mesmo destino do primeiro: o depósito legislativo atulhado de boas intenções que não encontraram apoio para se tornarem realidade legal.

Com isto em mente, diversas entidades paranaenses (OAB/PR, FIEP, ACP, CRC, FECOMÉRCIO, SESCAP, entre outras) constituíram o Fórum de Defesa do Contribuinte e deflagraram mobilização em torno do tema, buscando não só apoiar o projeto, mas também aperfeiçoá-lo. E, após diversas rodadas de discussões, apresentaram, no dia 12 de julho, um conjunto de propostas ao relator do projeto na CCJ, senador Armando Monteiro.

Entre as principais: aperfeiçoamento do devido processo legal na esfera administrativa, tanto antes como após o lançamento tributário; vedação do uso de todo e qualquer meio coercivo na exigência de tributos; transparência tributária, permitindo aos contribuintes pleno conhecimento dos tributos que recolhem e da destinação dada a esses tributos; proteção mais efetiva do sigilo fiscal; simplificação do sistema tributário, pondo-se um freio à multiplicação até hoje incontrolada de obrigações acessórias; limitação de multas, juros e outros encargos abusivos impingidos ao contribuinte; maior agilidade na restituição, ressarcimento e compensação dos créditos do contribuinte; estabelecimento de prazos terminativos para julgamento de processos tributários, apreciação de petições dos contribuintes e outorga de certidões; atendimento adequado ao contribuinte nas repartições fazendárias, com criação de ouvidorias. Tudo isso para melhor proteger e garantir o contribuinte contra desmandos fiscais, mas sem impedir o uso legítimo das prerrogativas outorgadas ao Fisco nem abrir as portas para a evasão fiscal.

Enfim, trata-se de restaurar a plena cidadania no âmbito fiscal, de transformar o contribuinte de mero sujeito passivo em sujeito de direitos. Para isso, a luta apenas começou.

Leonardo Sperb de Paola, advogado, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB-PR, relator das propostas apresentadas pelo Fórum de Defesa do Contribuinte

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