Celebridades processam provedores de redes sociais. Políticos processam blogueiros. Notícias como essas são cada vez mais comuns atualmente. Tais demandas envolvem, em muitos casos, os sites denominados provedores de hospedagem.
Esse tipo de provedor se caracteriza por disponibilizar espaço e armazenar informações postadas pelo próprio usuário, sem qualquer interferência em seu conteúdo. É o caso dos sites de relacionamento Orkut, Facebook, Linkedin, Twitter etc., além dos blogs que permitem aos usuários criarem suas próprias paginas.
Na grande maioria dos casos, a parte autora, que se sente ofendida pelo conteúdo de uma determinada postagem, ingressa com ação de obrigação de fazer, para que seja determinado ao provedor de hospedagem e ao usuário responsável a sua remoção, fornecimento de dados de IP e indenização por danos morais. Trata-se de uma nova problemática a ser tratada pelo direito.
Diante da falta de legislação específica sobre o tema, os tribunais têm aplicado aos casos envolvendo provedores de hospedagem as disposições contidas no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, para delinear a responsabilidade destes.
O entendimento que têm prevalecido nos tribunais brasileiros é basicamente o seguinte: provedores de hospedagem não são responsáveis pela realização de monitoramento prévio sobre as postagens efetuadas pelos usuários. Entretanto, ao tomarem ciência da existência de alguma postagem com conteúdo ofensivo, o que ocorre, na maioria das vezes, por meio de notificação extrajudicial, devem removê-lo imediatamente, sob pena de responderem solidariamente com o usuário responsável pela postagem. Esse entendimento foi consolidado pelo STJ, ao julgar o Recurso Especial nº 1.193.764 SP (2010/0084512-0).
Em nosso sentir, esse entendimento era acertado ao excluir dos provedores de hospedagem o dever de monitorar previamente todas as postagens efetuadas pelos usuários, o que poderia se configurar inclusive como medida de censura, que é vedada pela Constituição Federal (art. 5º, IX).
A entrada em vigor do Marco Civil da internet (Lei 12.965/14), que se deu em 2014, trouxe algumas modificações com relação a tal entendimento. Dispõe o seu artigo 19 que os provedores de hospedagem devem efetuar a remoção de determinada postagem após ordem judicial especifica, "com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura".
O interessante dessa modificação é que o Marco Civil retira dos provedores de hospedagem a responsabilidade pela análise do teor subjetivo de todos os casos que antes eram notificados extrajudicialmente. Explica-se.
Quando uma notificação extrajudicial diz respeito à postagem manifestamente ilícita, é evidente o dever de removê-la. No entanto, nos casos em que a suposta ilegalidade da página reclamada não é explicita e depende do juízo de valor pessoal de cada um, o dever de remoção se torna incerto. Daí a importância do dispositivo trazido pelo Marco Civil, pois, se por um lado estão presentes os direitos à personalidade e à imagem do denunciante, de outro lado também estão presentes os direitos à liberdade de expressão e de pensamento do autor da postagem.
Devemos ter em mente que o juízo de valor, ou seja, a interpretação a respeito da ofensividade ou não de um conteúdo, é atribuição exclusiva do Poder Judiciário, sendo inconstitucional a transferência deste poder ao particular, que não tem condições de apreciar com a devida imparcialidade o conflito submetido à sua apreciação.
Nesse sentido, temos como positiva a modificação de entendimento trazido pelo Marco Civil, mas alguns ajustes em sua aplicação fazem-se necessários pelo Poder Judiciário, principalmente com relação ao seu objetivo de assegurar a liberdade de expressão.
A experiência do dia a dia forense, todavia, dá-nos a impressão de que a tendência, em geral, adotada pelos juízes, ao receberem uma ação envolvendo postagens supostamente ilícitas, é determinar a imediata remoção destas, na grande maioria dos casos em sede de cognição sumária, por meio de liminares antecipatórias dos efeitos da tutela.
Além do próprio Marco Civil, que regula a matéria, a liberdade de expressão, a livre manifestação do pensamento, a criação, a informação e a livre divulgação, foram direitos consagrados constitucionalmente nos artigos 5º, incisos IV, V, IX, XXXVI, e 220 da Constituição Federal. E as figuras públicas do meio político e artístico, uma vez que se tornam pessoas públicas, estão sujeitas a sofrerem críticas e comentários a respeito de sua atuação. Mas, mesmo nos casos envolvendo denúncias contra figuras públicas, a ordem de remoção parece ser a regra, o que demonstra que o espírito do Marco Civil ainda não foi assimilado pelo nosso Judiciário.
Renato Augusto de Carvalho Nogueira é advogado em São Paulo.