Questionamentos
Mesmo referendada pelo STF, Ficha Limpa ainda gera dúvidas
As inelegibilidades previstas na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010) devem ser o assunto mais questionado nas próximas eleições. De acordo com os juristas, há ainda vários aspectos que estão muito suscetíveis à interpretação.
Um dos pontos controversos é que, antes da Lei da Ficha Limpa, só se cassava um mandato por abuso de poder quando ficava provado que o ato abusivo influenciou no resultado das eleições. Agora, a Lei 135/2010 coloca como critério a "gravidade das circunstâncias" que caracterizam tal ato.
O secretário-geral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marcus Vinícius Furtado Coelho, observa que "gravidade" é um conceito aberto e que pode ter variáveis enormes de acordo com os intérpretes. "O julgador, o advogado e o acadêmico que estudam Direito Eleitoral devem se debruçar sobre este novo requisito", diz Coelho.
Outro aspecto que pode gerar dúvida refere-se à interpretação da alínea "d" da Lei Complementar 64/1990, que foi modificada pela Lei da Ficha Limpa. Na atual redação, está prevista inelegibilidade de oito anos para os que tenham contra si representação julgada ou em processo de apuração pela Justiça Eleitoral. O antigo texto previa que o prazo de inelegibilidade era de três anos. A dúvida, neste caso, trata-se de qual será o período de inelegibilidade aplicado para aqueles que estão com um processo em andamento desde o período em que o texto anterior ainda estava em vigência. "O Supremo diz que a lei vai retroagir, mas esta hipótese de retroatividade é maléfica", analisa professor da Universidade de Brasília Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.
Também há questionamentos se todo e qualquer candidato que teve a prestação de contas rejeitadas ficará inelegível. Até agora, o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral é que sim e, portanto, a falta de quitação com a Justiça Eleitoral causaria inelegibilidade do candidato. Coelho sustenta que este entendimento é questionável porque há casos em que os problemas nas contas que são meramente formais, referentes a equívocos sem gravidade. (JN)
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As redes sociais e o acesso à internet representam um novo universo de embate eleitoral, envolvendo propaganda antecipada, difamação de candidatos e pirataria digital temas com contornos ainda pouco definidos pela legislação. A Lei da Ficha Limpa, fruto de um claro movimento popular pela moralidade na política, ainda sofre críticas quanto a sua efetiva aplicação. Junto a isso, some-se o desafio do Judiciário em coibir excessos que podem desequilibrar a disputa eleitoral, ao mesmo tempo em que precisa evitar a judicialização demasiada da política, a ponto de não usurpar o poder de legislar. Os desafios do Direito Eleitoral no século XXI devem começar a ser sentidos mais intensamente nas eleições municipais deste ano.
Ao analisar o sistema político brasileiro atual, o advogado constitucionalista e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Clèmerson Merlin Clève afirma que o Brasil teve êxito em conseguir evoluir de um sistema não confiável, em que o "bico de pena" definia os resultados, para outro em que os processos são coordenados pelo Poder Judiciário de forma clara e transparente.
Segundo ele, a judicialização da administração das eleições no país permitiu a emergência da autenticidade da representação. Por outro lado, Clève alerta para "uma exacerbação do exercício do poder normativo" do Poder Judiciário. "Alguns chegam a dizer que a Justiça Eleitoral está criando regras novas, ao arrepio do legislador."
O acesso cada vez mais amplo à internet, por exemplo, cria um novo espaço de disputa entre os candidatos, o que acaba por requerer da Justiça Eleitoral normas e ações específicas. O advogado especialista em direito público eleitoral Luiz Viana Queiroz considera que a legislação tem de ter suficiente flexibilidade para se adequar ao novo mundo da tecnologia. "O Direito Eleitoral, como todo o Direito, foi construído com base em outros paradigmas, que foram quebrados pela tecnologia de mundialização da comunicação", diz Queiroz, que também é conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Enquanto ações restritivas a propagandas em espaços como televisão e outdoors foram implementadas para manter o equilíbrio do poder econômico entre os candidatos, o grande impasse é como regular o uso da internet de modo que não desequilibre as eleições.
Olivar Coneglian, advogado e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade), afirma que "a internet é um meio muito difícil de gerenciar", mas observa que a Justiça Eleitoral já tem muitos fiscais e que os próprios adversários também monitoram uns aos outros. O excesso de agentes fiscalizadores acaba por gerar uma quantidade muito elevada de ações judiciais. Mas, mesmo com muitas pessoas fiscalizando, na prática, é impossível controlar páginas na internet, que podem até ser criadas com domínios registrados em outros países.
A alternativa defendida por Queiroz é que os partidos sejam chamados para estabelecer uma regulamentação consensual junto com a Justiça Eleitoral. "No lugar de ficarem querendo controlar o que não tem controle, seria muito melhor que se estabelecessem regras consensuais, de como usar, e não de como não usar", argumenta o especialista em Direito Público.
Outro desafio para as próximas eleições é a efetiva aplicação da Lei da Ficha Limpa. Mesmo com a sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, ainda há dúvidas no meio jurídico sobre como as novas regras serão de fato aplicadas.
Para alguns juristas, há uma lacuna entre certas exigências da lei e o que é possível executar. "É uma lei que surgiu em um momento de crise para dar resposta a um descontentamento generalizado", afirma o advogado e professor da Universidade de Brasília Tarcísio Vieira de Carvalho Neto. Para ele, o legislador "pesou na mão" na hora de redigir e agora cabe aos juízes fazerem uma interpretação coerente do texto da lei.
Impugnação
Período de contestação de registros é primeiro teste da Ficha Limpa
A aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa sofrerá o primeiro teste já em julho quando o Ministério Público Eleitoral (MPE) analisar os pedidos de registros de candidaturas. A análise de documentos para verificar a candidatura daqueles que estão inelegíveis deve ser feita pelo MPE em no máximo cinco dias após a publicação do edital com os pedido de registros requeridos pelos partidos.
Nas últimas eleições, o Judiciário aceitou que o MPE, mesmo estando fora prazo para apresentar a ação de registro de candidatura, pudesse trazer novas questões quando era chamado a se pronunciar como fiscal da lei. Esse tipo de procedimento resultou em apresentações de pedidos de impugnação até às vésperas das eleições.
Para o presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade) e da Comissão de Direito Eleitoral da seccional do Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), Luiz Fernando Pereira, o Poder Judiciário tem o desafio de cumprir a lei não somente no que se refere a aceitar os pedidos de impugnação feitos pelos MPE, mas em cumprir os prazos determinados. Segundo ele, em 2010, houve um tratamento muito flexível da jurisprudência em aceitar alegação contra os registros a qualquer tempo.
Pereira avalia que é preciso limitar o prazo para apresentação de causas de inelegibilidade a fim evitar uma "hipótese pitoresca" como a de Londrina, onde o prefeito eleito foi considerado não-candidato e foi necessária a realização de um terceiro turno. "A população não compreende e imagina que é uma indevida ingerência do Poder Judiciário, porque a decisão sobre o registro acaba ocorrendo depois da eleição", diz.
A procuradora regional eleitoral Adriana Aparecida Storoz Mathias dos Santos argumenta que a Lei Complementar 64/90 não restringe a atuação do MPE para arguir eventual causa de inelegibilidade somente no período de cinco dias após a publicação do pedido de registro de candidatura.
"Ao tomar conhecimento de eventual causa de inelegibilidade após os cinco dias do prazo da impugnação, o Ministério Público Eleitoral deverá levar ao conhecimento da Justiça Eleitoral que, de ofício, poderá conhecer da arguição conforme estabelece o parágrafo único do art. 7º da LC 64/90", observa a procuradora.
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