Ficha técnica
Naturalidade: Curitiba, PR
Currículo: foi dirigente do Coritiba, advogado do Clube Atlético Paranaense desde 2005, colaborador do Código Brasileiro de Justiça desportiva comentado.
O que está lendo: sabe com quem está falando? Contos Sobre Corrupção e Poder, Luiz Rufatto.
Nas horas vagas: cuida do jardim e assiste a novelas.
Jurista que admira: Rui Barbosa.
Defesas teatrais, com balas de açúcar atiradas nos auditores, bombinhas escondidas na roupa, troca de sapato por chinelo de dedo em pleno tribunal fazem de Domingos Moro uma figura emblemática no direito desportivo. Suas sustentações lhe renderam as alcunhas de "mágico" e "ilusionista". Mas Moro explica que suas performances são "apenas a cereja do bolo" e que estuda muito para se preparar para os julgamentos. O advogado recebeu a reportagem do caderno Justiça & Direito em sua casa em Curitiba. Enquanto no jardim seus cinco cachorros e os passarinhos de que tanto gosta faziam coro de fundo, na sala ampla repleta de antiguidades e obras de arte, Moro falou sobre seu modo de atuar na profissão, a paixão pelo Coxa, o compromisso com o Atlético e sobre doping.
Como entrou para o direito desportivo?
Em 2003, eu era vice-presidente do Coritiba, e nós conseguimos nos classificar para a Libertadores, que jogaríamos em 2004. Com o maior esforço financeiro possível, contratamos um jogador colombiano chamado Víctor Hugo Aristizábal Posada, que era um nome muito forte. Houve um problema, e o Aristizábal deu um tapa em um zagueiro que era da base do Coritiba e estava emprestado. E o presidente do clube falou: "dessa vez você vai ter que fazer o julgamento do Aristizábal". Então eu tive que me preparar para defender o Coritiba no tribunal. O advogado que participava do escritório do presidente do clube fez toda a parte técnica, e eu fiz a parte mais emocional, mais teatral, ouvi o jogador. Foi aí que nasceu o diálogo com a bola, porque eu termino o julgamento conversando com a bola do jogo. Naquela semana do julgamento o Aristizábal tinha feito o primeiro gol pelo Coritiba. Então eu simulei um diálogo dele com a bola depois de tantos anos de carreira. Foi um sucesso o julgamento, e o Aristizábal foi absolvido por unanimidade.
E como o senhor foi advogar para o Atlético?
Quando eu saí do Coritiba, ou melhor, fui saído, eu tinha que fazer alguma coisa. Como eu tinha me preparado muito para esses julgamentos, eu resolvi enveredar por essa carreira. A Federação Paranaense de Futebol me contratou para que eu representasse os clubes do Paraná. Na realidade quem fazia o pagamento disso era o Coritiba. Foi uma maneira de o Coxa se ver livre de mim, eu ficava lá no Rio de Janeiro. Depois, a federação acabou com esse contrato e veio o grande divisor de águas, que foi um problema que houve com o Atlético. O dr. Marcos Malucelli, muito meu amigo, me telefonou perguntando se eu estaria disposto a defender o [Mário Celso] Petraglia. Eu disse: "mas ele nunca vai me contratar". Então ele disse que, se eu aceitasse, o Petraglia me telefonaria. A partir de 2005 o Atlético me contratou para ser o advogado desportivo de todas as categorias, faço desde a criança até o profissional. E aí vieram outros clubes, tenho clientes fixos no Brasil inteiro.
Para qual time o senhor torce?
Eu sou coxa-branca, sou conselheiro vitalício do Coritiba. Mas hoje o relacionamento é muito pequeno, o Coritiba não se relaciona mais comigo, eu me relaciono com o Coritiba pelo coração.
O senhor é chamado de ilusionista. Como isso começou?
Houve um processo complicado no STJD que envolvia o Duque de Caxias. Recebi um telefonema de um auditor do pleno que disse "só um mágico para dar jeito". Esse auditor começou a me chamar de ilusionista, não no sentido de ilusão, mas no sentido do filme, em que aquele ator usava as mãos e escondia coisas. A minha atuação no tribunal, longe de ser uma atuação folclórica, é sempre diferente. Uma vez, enquanto falava, consegui tirar os sapatos e colocar uma sandália de dedos nos pés, sem que ninguém percebesse, só quem estava atrás, e atirar essa sandália nos auditores para mostrar o potencial lesivo que não existe de uma sandália Havaiana.
Existe a preocupação em atender a expectativas de fazer algo diferente?
Eu tenho que atender a essa expectativa. Não digo que seja uma preocupação, mas uma motivação: como posso abordar esse tema diferente do que já foi abordado? Uma vez fui visitar um colega que é advogado do trabalho e ele tinha modelo de petições prontos, onde se preenchia o nome, a qualificação e o reclamante. Se for para fazer isso, eu prefiro bolar um bom sanduíche natural e vender na praia de Copacabana. Porque pelo menos eu vou inovar, um dia faço o sanduíche de um jeito, no outro de outro.
Qual sua estratégia para o caso do Atlético em Joinville?
Eu pretendo começar o julgamento com aquele pé da mesa [usado por um torcedor do Vasco para agredir outros torcedores], que está aqui em casa. Vou colocá-lo em cima da tribuna e ao lado dele alguma coisa que lembre futebol, uma chuteira, uma bola, talvez. E vou falar: "nós estamos aqui para discutir o quê?". Vou levar para o Rio e começar o julgamento com aquilo, para mostrar que um tribunal desportivo tem limites de atuação, e o que se viu ali foge dos tribunais desportivos. As penas que os tribunais desportivos estão aplicando não estão resultando em benefício nenhum, não estão modificando o panorama de violência, estão sangrando os cofres dos clubes de maneira absurda sem nenhuma justificativa. No que isso vai ajudar a diminuir o problema da segurança nos estádios? Nada. A solução é o que está acontecendo em Santa Catarina, com a prisão dos envolvidos.
Na batalha das liminares, o senhor acha que tem alguma possibilidade de a Portuguesa voltar para a Série A?
Eu espero que não. Minha expectativa é que não haja um acordo gigante, que a CBF no momento certo consiga cassar as liminares que não lhe são favoráveis. Em um ano de Copa do Mundo, com as normas desportivas que nós temos, seria um retrocesso tremendo, lamentável se nós tivermos uma pseudovirada de mesa. Acredito que não vai haver.
A justiça comum pode tirar a validade da decisão da justiça desportiva?
Teoricamente pode, porque a vedação de você ir à Justiça comum termina quando você esgotou as instâncias da Justiça Desportiva. Essas ações que estão pipocando são de ditos torcedores. Primeiro precisa ver se esses torcedores não estão agindo no interesse do clube. As decisões do STJD são perfeitas, não há nada a reparar. O artigo 34 do Estatuto de Defesa do Torcedor, que foi reformado em 2010, fala que, a exemplo dos Tribunais Federais, a Justiça Desportiva tem que, através do sítio da entidade que a mantém, dar publicidade às suas decisões. As decisões do julgamento que originou a questão da Portuguesa e do Flamengo foram publicadas na segunda-feira. Ele não fala que as decisões só valem depois da publicação. Ele fala que elas devem ser publicadas, e elas foram publicadas. Já o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), contrariamente ao que se tem escrito, não é um regulamento, é uma resolução do Conselho Nacional do Esporte. A Lei Pelé é que determina que as entidades de prática desportiva e de organização desportiva façam os códigos disciplinares. O CBJD diz textualmente que a decisão vale a partir do momento da proclamação do resultado do julgamento, presentes as partes, ou não, desde que soubessem da realização do julgamento.
O que diria para aqueles que querem advogar no direito desportivo?
Se eu disser que em uma semana eu não recebi 10 pedidos de estágio, vou estar mentindo. O que eu sugiro é que me vejam trabalhar, porque eu sou um perfeccionista. Quem vê o futebol de fora acha que enriquece a todo mundo. Como fui dirigente, eu sei o que a gente paga e o que não paga e quando paga. Primeiro vai pagar o atleta, depois tributos, aí, se sobrar alguma coisa, paga fornecedor, o advogado fica lá no fim. Eu sei a ordem porque tive o cheque para assinar. E esses meninos que estão saindo da faculdade imaginam que a coisa é muito mais fácil do que é. E tem que entrar no mercado, isso é da vida, ou alguém vai te indicar, te apadrinhar, ou vai trabalhar com alguém.
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