O jurista Rodrigo Xavier Leonardo expressa a admiração por Pontes de Miranda demonstrando, além do conhecimento do trabalho acadêmico, o conhecimento da história de vida do autor. Leonardo foi um dos atualizadores do "Tratado de Direito Privado", trabalho que ele prefere chamar de "contextualização", realizado no ano passado, com comentários à obra que é considerada a mais importante de Pontes de Miranda. Advogado e professor de Direito Civil na Universidade Federal do Paraná (UFPR), atualmente, ele está no pós-doutorado na Università degli Studi di Torino, na Itália, onde faz estudos comparativos entre a teoria de Pontes de Miranda e o pensamento de alguns privatistas europeus contemporâneos. De lá, Leonardo respondeu às perguntas por e-mail e falou de seu interesse pela obra do autor e da relevância da sua obra para o Direito Civil como um todo.
O que o levou a ter interesse pela obra de Pontes de Miranda?
Tive o privilégio de encontrar em meu caminho vários estudiosos de Pontes de Miranda. Nos bancos universitários, os professores José Peres Gediel, de Direito Civil, Guilherme Marinoni e Ribas Malachini, de Processo Civil, entre outros. Posteriormente, em meus estudos de mestrado e doutorado na USP, o professor Tomasetti Jr., seguramente o maior conhecedor de Pontes de Miranda, ao lado de Bernardes de Mello. Sob essa influência, o interesse por essa obra foi rigorosamente irresistível. Não bastasse a solidez teórica, na prática forense, como advogado com atuação predominante em direito civil e empresarial, o recurso a Pontes de Miranda é indispensável.
Pontes de Miranda se dedicou exclusivamente ao estudo do Direito?
Não. Para além da Ciência do Direito, seus escritos abrangem a Matemática, a Física, a Biologia, a Psicologia, entre outras áreas do saber. Apenas como exemplo, Pontes de Miranda dialogou com Einstein a respeito da teoria da relatividade, apresentando contribuições para essa teoria. Como biólogo, o autor descobriu uma bactéria, que, em sua homenagem, foi denominada Pontesia. Tudo isso sem falar nos livros de literatura, filosofia...
Qual a principal obra jurídica de Pontes de Miranda?
Em minha opinião, o "Tratado de Direito Privado", com 60 volumes, recentemente relançados com a atualização de vários autores. Cada volume tem, aproximadamente, 500 páginas. E o que é mais impressionante: Pontes de Miranda foi extremamente econômico, direto e objetivo ao escrevê-lo.
Pontes de Miranda é apontado como o jurista mais citado nos tribunais. Por qual razão?
Acredito que isso se deva ao fato de aliar a teoria e a prática como poucos. Seus livros são fontes para estudos avançados e para o encontro de soluções para problemas jurídicos cotidianos. Na introdução ao "Tratado de Direito Privado", a partir de Ihering, Pontes advertiu que o Direito, para ser prático, não poderia se limitar ao prático. O autor advertiu e seguiu à risca a própria advertência.
A mudança no Código Civil de 2002 alterou a maneira como a obra de Pontes de Miranda influencia o direito brasileiro?
Creio que não. Como todos os clássicos, Pontes de Miranda é atemporal e sobrevive às mudanças legislativas. Suas construções teóricas independem do direito legislado. Obviamente, aqui ou acolá, essas transformações, como a que se sucedeu com o Código Civil, exigem um esforço de contextualização. Isso pode se dar, inclusive, no sentido de uma crítica à lei que, apesar de temporalmente nova, por vezes encaminha resultados inadequados ao nosso tempo. Pontes estava à frente do seu tempo e sua obra mantém essa característica.
É possível dizer que a história de vida do autor influenciou sua obra? Poderia citar exemplos?
Pontes de Miranda nasceu em Maceió, em 1892. Filho e neto de matemáticos, essa foi uma influência marcante no desenvolvimento do seu pensamento lógico. Ainda em sua cidade natal, conviveu com religiosos franciscanos que também tiveram um espaço importante em sua formação filosófica e no acesso a diversos idiomas que seriam fundamentais para os seus estudos.
O que o senhor aprendeu de mais relevante durante o trabalho de atualização da obra de Pontes de Miranda?
A obra de Pontes de Miranda valoriza o Brasil de um modo muito interessante. Muito longe de um ufanismo vazio, a todo o momento chama atenção para a necessidade de o pensamento jurídico brasileiro buscar soluções fincadas em nossa história, na realidade social e econômica. Esse é um aspecto que sempre me pareceu importante e, agora, foi ressaltado durante o trabalho de atualização. Ler e dialogar com autores estrangeiros, ainda que seja muito importante, não pode significar a mera transposição de soluções jurídicas de outras culturas.
Poderia relatar como foi o processo de produção? Qual foi seu método de trabalho? Que cuidados procurou tomar?
O projeto editorial de relançamento do "Tratado de Direito Privado", em si, foi muito cuidadoso. O trabalho do atualizador é apartado do texto original de Pontes de Miranda, que foi mantido integralmente, com caracteres distintos. Pessoalmente, procurei ressaltar, sempre que possível, de que modo as contribuições teóricas e práticas do autor se mantiveram presentes nas mais recentes decisões dos tribunais, nas construções doutrinárias e nas alterações legislativas.
Qual a importância acadêmica da atualização da obra deste autor?
As mudanças sociais, econômicas e tecnológicas, desde a última edição do tratado, foram severas. O esforço de trazer para hoje essas transformações, numa contextualização, serve de ferramenta facilitadora para o leitor. O pensamento de Pontes de Miranda não pode ser atualizado, pois tem um valor em si. Creio que, talvez, a palavra mais correta seja mesmo de uma "contextualização", ou seja, um esforço de trazer ao hoje as referências com que o Pontes de Miranda havia trabalhado. Nesses lindes, a importância acadêmica é enorme. Muitas das contribuições desse autor permanecem desconhecidas e a contextualização facilitará a descoberta.
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