• Carregando...
 | Antônio More/Gazeta do Povo
| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

Ficha técnica

Naturalidade: Niterói, RJ

Currículo: advogado há 22 anos, com mestrado e doutorado na PUC–SP, na área de direito público. A atuação profissional ligada a licitações e contratos administrativos. Presidente da Câmara de Arbitragem da FIEP e fellow do Chartered Institute of Arbitrators (CIArb), de Londres.

Jurista que o inspira: Marçal Justen Filho

Livro: Davi e Golias, Malcolm Gladwell

Nas horas vagas: Corrida e mergulho

As negociações de compra e venda de mercadorias entre 80 países, incluindo o Brasil, estão unificadas: todos se submetem às regras da Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em inglês). O Brasil consolidou a adesão à regra em março de 2013 e agora passa por um processo de adaptação às normas. A CISG é uma lei uniforme sobre trocas mercantis e reúne regras para a formatação dos contratos de compra e venda internacional, além das obrigações das partes envolvidas. O advogado Cesar Augusto Guimarães Pereira, presidente da Câmara de Arbitragem da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), estuda e dá treinamentos a estudantes acerca das regras da CISG e questões relacionadas à arbitragem comercial internacional. Para ele, a adesão do Brasil ao tratado é positiva e aconteceu em um momento em que o sistema jurídico e de comércio do país está amadurecido para receber as novidades. Ele conversou com a Gazeta do Povo sobre o tema. Abaixo, confira os principais trechos da conversa:

A CISG entrou em vigor em 1988 e só agora o Brasil aderiu. Demorou muito?

De fato, a CISG, essa convenção das Nações Unidas para venda internacional de mercadorias, foi assinada em 1980 e passou a valer em 1988, quando atingiu número mínimo de ratificações para ter validade. O Brasil demorou esse tempo que foi talvez até um pouco longo demais para aderir a esse sistema. Mas não podemos esquecer que Brasil se inseriu no contexto de comércio internacional a partir da década de 1990, e só hoje nós somos um agente, um personagem importante no comércio internacional, mas demorou até que isso tenha acontecido. Acredito que levou o tempo necessário para que nós, como país e como sistema jurídico, tivéssemos amadurecido o suficiente.

Podemos dizer que agora o Brasil está preparado para essa lei?

Sem dúvida. O Brasil está preparado no sentido em que tem condições de saber aplicar bem essa lei uniforme. Isso não significa que não haja grandes desafios. Um deles é a preparação dos advogados e dos juízes para aplicar uma legislação que tenha vocação de ser uniforme de vários países. O único jeito é que o Judiciário e advogados de cada um deles conheça o que se passa nos outros. Essa nova legislação envolve o desafio de um juiz brasileiro estar disposto a conhecer – não como ilustração, mas como matéria fundamental para decisão – a doutrina e jurisprudência que são conhecidas e efetuadas em outros países.

Mas esse processo é recente, ainda está começando. O senhor acredita que vai haver uma movimentação do Judiciário sobre esse assunto, como a promoção de debates e treinamentos? Há vontade para isso?

Claro. Aqui no Paraná, a Escola da Magistratura, em conjunto com a Câmara de Arbitragem da Fiep já produziu cinco eventos destinados a despertar a atenção dos advogados e juízes a respeito desse tema. O primeiro foi feito em 2011. E desde então, tem havido sucessivas iniciativas do Judiciário, em parceria com o FIEP, em relação a isso. Além disso, nos dias 19 e 20 de março haverá um grande evento internacional sobre o tema aqui em Curitiba, cuja iniciativa é do poder judiciário. A iniciativa é do STJ e do Conselho da Justiça Federal e há o apoio de organizações privadas, principalmente do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá de São Paulo, da Fiep e do Brazil Infrastructure Institute. O fato de esse evento ser realizado por iniciativa do Judiciário é significativo; mostra que juízes estão atentos a respeito de como aplicar uma lei uniforme.

E como fica a formação dos advogados com relação à norma? Às vezes a legislação muda e isso demora até chegar nos cursos de graduação e pós-graduação. O senhor acredita que essa nova legislação vai começar a ser discutida nas universidades?

Curiosamente, essa legislação já vem sendo discutida nas universidades. Por meio de um excelente exercício educacional que foi criado em Viena e em Hong Kong, há mais de 21 anos e que envolve 400 universidades de todo o mundo. É uma competição internacional entre universidades e quatro delas são daqui de Curitiba. Alunos da UFPR, Universidade Positivo, PUC-PR e UniCuritiba participam. Essa competição tem como substância exatamente um caso que envolve a CISG. Mesmo antes de a legislação estar em vigor, estudantes brasileiros vinham se exercitando com essa legislação e hoje existe certo contingente de advogados que participaram dessas competições e que tem boa consciência a respeito do tema. Existe sempre o desafio que é que, o que se produz nessa legislação, não é em língua portuguesa. Por isso, eu e mais dois professores brasileiros estamos coordenando a tradução da principal obra internacional a respeito desse tema, que são comentários sobre a lei uniforme. Isso é importante porque a CISG vai ordenar os contratos internacionais de qualquer porte. Não são necessariamente os contratos caros, em que há grandes escritórios de advocacia nas duas pontas. Vai se aplicar a qualquer espécie de compra e venda internacional.

As principais vantagens da CISG são previsibilidade, segurança jurídica, quebra de barreiras culturais e menos custo de transação. Para a realidade do Brasil, há alguma vantagem que pode ser destacada com a adoção do regramento?

Do ponto de vista das empresas que atuam no comércio exterior é a redução de custos da transação. Em vez que de uma empresa que negocia um contrato de compra e venda com outro país ter de se informar a respeito da legislação estrangeira para poder ter consciência dos riscos dessa operação, as duas empresas podem se submeter às regras da CISG e se valer de seus próprios serviços jurídicos de origem, porque a legislação vai ser a mesma aqui, na Índia, na Argentina, na França.

A CISG derruba ou contraria algum ponto da legislação vigente no Brasil?

Sim e não. A CISG é uma legislação muito flexível, ela serve para ser aplicada em determinados contratos, na hipótese de as partes não terem compactuado regras diferentes, se não houver nada previsto antes. Ela muda radicalmente alguns conceitos como o de liberdade de forma. No Brasil, nós temos algumas regras mais rígidas a respeito dos limites para contratos puramente orais. A CISG não tem limite nenhum nesse sentido. Pode haver um contrato puramente oral, sem nada por escrito, entre duas empresas internacionais e ele vai ter validade.

Em caso de contrato oral, como provar os termos quando houver litígio, por exemplo?

Pode haver dificuldade. Mas também prestigia a liberdade para conseguir provas, pois determina que se investiguem as circunstâncias do negócio. Prova de contrato oral é difícil de fazer, mas na legislação que vai valer a partir de abril, um contrato puramente oral vai valer como qualquer outro.

Na arbitragem, o que muda com a CISG?

Na arbitragem não há mudanças muitos radicais. Talvez haja uma questão específica, que é uma regra da CISG que prestigia a criação de deveres a partir dos usos e costumes do comércio internacional. Uma discussão possível é saber se uma convenção arbitral poderia surgir a partir dos usos e costumes do comércio internacional naquele setor ou do acordo estabelecido entre as partes em algum contrato. Nós estamos acostumados a pensar em uma convenção de arbitragem como tendo sido estabelecida de modo claro no contrato, mas ela pode, com essa legislação, derivar da aplicação dessa regra que incorpora os usos e costumes do comércio internacional.

Colaborou: Taiana Bubniak

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]