O número de crimes transnacionais tende a aumentar diante dos fenômenos da economia globalizada e pela dificuldade dos países de agir em conjunto. Essa é a opinião do especialista em direito internacional Sandro Trotta. Nesta entrevista, concedida por telefone para a Gazeta do Povo, ele fala também da atuação dos tribunais internacionais e dos tratados firmados entre o Brasil e outros países do Mercosul. Trotta confessa, ainda, que está decepcionado com a realidade do país onde vive. "A prática assistencialista do governo não é algo que faça com que o Brasil cresça", diz.
Como o senhor vê a participação do Brasil em processos de integração e de blocos econômicos internacionais?
Tivemos um grande avanço a partir das duas gestões do governo Lula que se lançou na realização de muitos tratados bilaterais e multilaterais, colocando o país em uma boa onda no cenário internacional, muito em função das questões econômicas e mercantis.
O Brasil busca acento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Qual a vantagem disso?
O Brasil é visto como a grande potência dos próximos anos. Conquistamos o respeito econômico e, se ocupássemos uma cadeira permanente no Conselho da ONU, teríamos um respaldo político no cenário internacional por parte dos países que há mais anos dão as coordenadas no processo mundial.
Por que o país ainda não conseguiu essa cadeira?
Não gostaria de entrar em uma resposta político-partidária, mas aspectos como a grande proximidade do ex-presidente Lula com o governo Fidel Castro, a vinculação que o Brasil ainda exerce com a Venezuela e a relação que o presidente Lula tentou estabelecer com o presidente do Irã não são bem vistos por muitos países, principalmente pelos EUA.
Os tribunais internacionais não acabam atropelando o Judiciário dos países?
Os tribunais internacionais têm competência supletiva, ou seja, atuam quando o governo, do ponto de vista interno, não atuar. Recentemente, a Corte Interamericana de Direitos Humanos exigiu melhorias nas condições de detentos em presídios do Acre e de Porto Alegre. Uma agressão aos direitos humanos como essa pode penalizar o governo brasileiro, inclusive economicamente, e a corte é usada como meio de pressão. As cortes internacionais solucionam problemas que, por algum aspecto, até então, não foram resolvidos. Se não admitirmos essa hipótese, vamos admitir a guerra.
O senhor defende um aperfeiçoamento dos tratados firmados entre os países integrantes do Mercosul. Quais seriam esses aperfeiçoamentos?
Todo tratado tem a natureza de um contrato, e um contrato só ocorre de forma equilibrada quando é bem dosado por ambas as partes, tanto no que tange aos direitos quanto às obrigações. Os tratados deveriam ser basicamente bilaterais diminuindo a ideia de tratados multilaterais. Outro aspecto que chama a atenção é a pouca previsão de sanção em caso de descumprimento de algo previsto no tratado.
Cada vez é maior o número de crimes transnacionais. A que o senhor atribui esse aumento?
Os crimes transnacionais têm contornos particulares, pois envolvem questões de alto potencial financeiro e criminosos que dominam recursos de tecnologia. A economia globalizada traz facilidades, mas também o aumento das práticas ilegais. E isso tende a aumentar pela dificuldade que os governos têm de agir em coesão. Muitas vezes, a Polícia Federal consegue rastrear o trajeto do dinheiro ou da carga de drogas enviada ao exterior, por exemplo, mas há dificuldade em repatriação. Primeiro porque poucas pessoas dominam a prática de cooperação internacional, inclusive entre os operadores do direito. Ainda sob o olhar nacional, nos falta uma legislação de cooperação. A terceira causa diz respeito ao nosso processo penal, pois a chamada decisão transitada em julgado, muitas vezes, leva muitos anos para ocorrer.
O combate a esse tipo de crime depende mais da organização interna dos países ou de uma nova lógica de cooperação internacional?
Do ponto de vista da comunidade internacional, as movimentações e preocupações já existem, principalmente após a Segunda Guerra Mundial. Cito uma frase do Tolstói: "Se queres ser universal, comece por pintar a tua aldeia". As decisões judiciais de cada país devem ser firmadas de maneira equilibrada e dentro de um prazo razoável. Também há uma questão de educação de cada povo. No Japão e na Alemanha, por exemplo, a educação do povo faz com que haja muito menos ações judiciais. Mais que mudar o comportamento internacional, devemos nos preocupar em pintar a nossa aldeia.
O Direito Internacional dialoga com muitas outras áreas das ciências humanas. É necessário o conhecimento delas para ser um bom operador dessa área?
Sem dúvida, assim como temos facilidade para entrar na internet e comprar um artigo produzido em outro país, em um curto prazo, vai ser comum lidarmos com situações que ultrapassam as fronteiras. Vejo o direito internacional em um crescimento fantástico nas mais variadas disciplinas. Também há um crescimento da curiosidade de pessoas não vinculadas à área jurídica. Estamos operando, sobretudo, com questões do mundo contemporâneo e o crime nada mais é que uma expressão do comportamento humano.
O Brasil é um bom país para se viver?
Infelizmente estou muito frustrado. A prática assistencialista do governo não é algo que faça com que o Brasil cresça. A questão do estudo também é assustadora, há uma diminuição de investimentos no ensino básico e um grande investimento no ensino superior. Isso seria louvável não fosse o fato de as universidades receberem alunos com base muito fraca. Mesmo em outros países da América Latina as crianças têm ensino mais sólido. O descaso das autoridades com a saúde também é terrível. Nos falta muita condição básica e a carga tributária é demasiada para aquilo que o governo nos dá de retorno.
Quais são os melhores países para se viver fora do Brasil?
É uma questão muito particular porque as pessoas têm anseios distintos. O Canadá, por exemplo, tem muita qualidade, mas a maior parte do país sofre muito com o frio. Tanto a Austrália quanto a Nova Zelândia têm clima parecido com o do Brasil. A Austrália tem dimensões territoriais gigantescas e pouca densidade demográfica e lá o governo auxilia muito as pessoas, principalmente os empreendedores, além de oferecer extraordinários níveis de segurança e educação. Não à toa muitos brasileiros têm optado em ficar por lá. Mas, na maioria das vezes, pelo fato de sermos muito calorosos, a saudade acaba por dificultar a vida em outro país.
Nesse sentido, em que país o senhor moraria fora do Brasil?
Já tive convite para trabalhar na Austrália, mas, em função dos vínculos profissionais e afetivos, não aceitei. Mas não deixei a porta fechada. Moraria lá ou na Nova Zelândia, um pouco pelo clima, mas também pelo respeito ao cidadão e pela segurança. Estudei na Universidade de Coimbra e várias pessoas me perguntavam o que eu mais gostava lá. Dizia que era poder caminhar na cidade à noite de forma tranquila. É algo que, infelizmente, na minha cidade, não posso fazer.
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