Ficha técnica
Currículo: graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, docente na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, também lecionou na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane (Moçambique).
Juristas que o inspiram: Marcelo Caetano e João Antunes Varella (Portugal) e Miguel Reale (Brasil).
Nas horas vagas: Joga golfe, torce para seu time de futebol do coração Sporting de Lisboa.
O que está lendo: "O herói discreto", de Mario Vargas Llosa.
A crise na Europa atingiu o modo como os advogados trabalham e está modificando a cultura profissional. O jurista português Lino Torgal considera que essas mudanças devem permanecer mesmo quando os tempos difíceis para a economia do continente passarem. O professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa esteve em Curitiba para participar do evento Universitas e Direito, promovido pela PUCPR para discutir direito urbanístico. Na entrevista que concedeu à Gazeta do Povo, ele também falou sobre os principais desafios relacionados ao assunto.
Quais são os impactos que a crise econômica está tendo na advocacia na Europa?
Antes da crise, a Europa tinha crescimento sustentado do volume de negócios e do número de advogados das firmas. Entre 1998 e 2009, os escritórios de advocacia cresciam 10%, 20% ao ano, enquanto a economia crescia 1%, 2%. Foi um crescimento muito acelerado, e, com a crise, isso acabou, porque diminuiu muito o volume dos serviços jurídicos. Aumentou a sensibilidade dos clientes com relação aos preços, o que faz com que eles se informem melhor sobre as firmas de advogados e sobre a maneira como elas formam seus preços para poder dizer que querem o serviço "a" e não o serviço "b". A consequência de tudo isso é que as firmas também tiveram que diminuir e demitir alguns colaboradores. O impacto que a crise teve na indústria dos serviços jurídicos está obrigando a redefinir aspectos que nós tínhamos como pacíficos no âmbito dessa indústria, desde o perfil dos advogados, passando pelo tipo de serviços que prestam aos clientes, pela dimensão das firmas, pelo próprio modo de se organizar a gestão dos escritórios.
Que tipo de mudança houve no perfil dos advogados?
Cada vez mais se valorizará a competência técnica, ou seja, a combinação de habilidades analíticas com habilidades transacionais, e, do mesmo modo, qualidades que não são só jurídicas mas também extrajurídicas. O advogado tem de ser um parceiro do cliente, tem de conhecer o que o seu cliente faz, seja uma indústria metalúrgica, seja um comerciante. Você tem de saber sobre o negócio dele, tem de consumir informação sobre o ramo dele, porque só assim vai servi-lo bem do ponto de vista jurídico.
E houve muitas mudanças nos serviços jurídicos?
Está se assistindo a uma revolução. Os clientes não querem mais pagar por 40, 50 páginas como se fazia. É preciso combinar melhor o conteúdo do trabalho, da vertente jurídica e da não jurídica. Estou generalizando, cada caso é um caso e continuará a haver espaço para o parceiro sofisticado e para o profissional especializado. Mas, de uma forma geral, tem de apresentar de forma mais adequada a informação jurídica que o cliente quer. Ou seja, se o cliente lhe pergunta quais são os requisitos para abrir uma empresa ou uma indústria, você não vai lhe mandar 40 páginas. Você vai fazer uma nota de duas páginas, com informações muito esquematizadas. Porque ele, como representante de uma grande empresa, não vai ter tempo para ler 40 páginas.
Isso muda bastante a cultura de trabalho dos advogados...
Sim, e você precisa ter em sua equipe advogados com a capacidade analítica de produzir síntese. Você só sintetiza bem depois de analisar bem. Escrever muito é fácil, escrever pouco é difícil. Existe até aquele adágio antigo "Pedi desculpas por não ter tido tempo para fazer mais curto". Porque se escreve uma primeira vez e só se consegue sintetizar depois de ler novamente. Além disso, os escritórios de advocacia encolheram, tiveram de reduzir o número de seus elementos e reconverteram-se, porque com a tecnologia é possível aproveitar e ter pessoas trabalhando em casa, pela internet. Uma mudança relevante é uma tendência de alteração no modo de cobrança do cliente. Tendencialmente se cobra com base no sistema hora, no tempo que é despendido. Mas hoje os clientes não querem saber do tempo que você vai despender, querem saber qual o preço máximo pelo serviço, lhe pedem para dar um limite. Isso determina a inversão do risco do cliente para o prestador, você passa a suportar o risco da quantidade do trabalho. Se estimou mal e a contrapartida é insuficiente para o esforço que você tem de desenvolver, o risco é seu, o cliente não quer pagar mais do que esse fixo.
O senhor participou de um debate sobre direito urbanístico em Curitiba. Quais os principais desafios nessa área?
No âmbito do planejamento urbano, é fundamental ter um quadro regulatório claro sobre os instrumentos que estão no território. Tem de conseguir implementar políticas públicas de habitação e urbanismo adequadas ao interesse público, sem, por outro lado, aniquilar as expectativas dos particulares e tirar o aproveitamento do solo em termos de edificação, que é absolutamente essencial para as cidades. Todo o ponto está em conseguir encontrar um equilíbrio ótimo entre um quadro regulatório que salvaguarde aquilo que são opções essenciais para que a vida nas cidades seja ordenada e tenha qualidade ambiental e possibilidade de ambientes sadios, sem prejudicar e sem entorpecer as atividades econômicas que fazem pulsar a dinâmica das cidades. Encontrar esse ponto de equilíbrio em cidades que tiveram esse desenvolvimento muitas vezes anárquico ou caótico e, em determinada altura, procuram encontrar um contrapeso para esse anarquismo, é o grande desafio.
Teria algum exemplo de sucesso?
Eu não sei qual é a história urbanística de Curitiba, mas eu vejo uma cidade com ambos os polos equilibrados. Há parques, espaços verdes de qualidade e tem um sistema de transportes que, diante do que tenho visto em outras cidades do Brasil, me parece estar na dianteira. É evidente que pode existir sempre melhoria, mas é uma cidade que, apesar de algumas disfunções, é adequada.
Mas aqui há também uma periferia crescente e não tão bem planejada...
Em qualquer cidade onde o desenvolvimento econômico se efetua de forma forte vai ter essa contradição. Porque a possibilidade de acolher tudo dentro de uma única malha ordenada, disciplinada, equilibrada é um pouquinho utópico. Eu não conheço nenhuma cidade onde isso tenha sido alcançado do ponto zero. Como o caso de minha cidade, Lisboa, que teve um desenvolvimento relativamente desequilibrado após a revolução. A partir de 1975, retornaram ao país milhões de pessoas vindas da Angola e de Moçambique, criaram-se bairros clandestinos nas periferias das cidades. E demorou algumas décadas até conseguirem integrar esses bairros clandestinos e essas massas de pobreza, com habitação social e instalação de equipamentos e espaços públicos que proporcionem uma vivência de qualidade. Nós hoje estamos muito melhores do que há 30 anos, mas ainda há meia dúzia de situações que claramente não estão bem e que carecem de algum tipo de desenvolvimento.
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