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 | André Rodrigues/Gazeta do Povo
| Foto: André Rodrigues/Gazeta do Povo

Ficha técnica

Naturalidade: São Paulo (SP).

Currículo: ministro do TST; professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho. Foi conselheiro do CNJ (2009-2010). Foi subprocura­dor-geral do Trabalho e assessor especial da Casa Civil da Presidência da República (1997-1999).

O que está lendo: "Star Trek e a Filosofia"; "História da Igreja"; "As grandes amizades", e "Guerra e Paz".

Juristas que o inspiram: Moreira Alves e Rider Nogueira de Brito.

Nas horas vagas: gosta de ler.

A seriedade e a exigência da rotina de corregedor da Justiça do Trabalho são abrandadas por Ives Gandra Martins Filho com as leituras de obras fantásticas como "As Crônicas de Nárnia" e "O Senhor dos Anéis". O magistrado chegou até a publicar um livro sobre esta obra, de tão envolvido que é com a saga. Ele falou sobre esse hobby e sobre suas obras relacionadas ao direito durante uma entrevista exclusiva que concedeu ao Justiça & Direito quando esteve em Curitiba para fazer uma inspeção no Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-PR). Gandra Martins Filho também contou sobre sua rotina estafante, sua opinião sobre a PEC do Trabalho Escravo, sobre leis que relativizam o direito ao aborto e sobre a necessidade de flexibilização das leis trabalhistas.

Como tem sido o seu trabalho na corregedoria?

Antes da criação do Conselho Nacional de Justiça, ficava-se muito no aspecto formal. Via-se se o processo estava andando direitinho, se estavam sendo preenchidos os formulários. Agora, a preocupação é ver desempenho: o Judiciário está cumprindo o fim de uma prestação jurisdicional célere, de qualidade e barata? Esse é o enfoque que tenho dado às minhas correições. O tribunal está julgando bastante ou pouco? Está com estoque [de ações a serem julgadas] grande ou pequeno? Tem juiz muito atrasado? Depois eu vejo se ele tem a estrutura necessária para dar conta desse nível de demanda processual, ou seja, se você cobra os fins, você precisa dar os meios. Eu visito as instalações do tribunal, da primeira instância, vejo como estão os gabinetes dos desembargadores, as salas de audiência, se o número de servidores e de juí­zes é suficiente.

Com relação às leis trabalhistas, fala-se em flexibilização. Qual a sua opinião?

Hoje existem convenções da OIT que apontam para a necessidade de se prestigiar a negociação coletiva. A Constituição tem mecanismo expresso no art. 7.º que fala do reconhecimento de convenções e acordos coletivos. Por meio desses instrumentos, é possível flexibilizar duas matérias: salário e jornada. Acontece que hoje o Judiciário brasileiro não prestigia as convenções e os acordos coletivos, ou seja, anula muita cláusula de acordo e convenção coletiva, dizendo que feriu direito indisponível do trabalhador. Só que o conceito de direito indisponível está sendo ampliado pela jurisprudência e, com isso, há uma oneração cada vez maior das empresas. Quando firma um acordo de compensação, por exemplo, a empresa dá uma vantagem compensatória, que é mantida, mas aquilo de que o trabalhador abriu mão para receber a vantagem mandam a empresa devolver. Se era para anular a cláusula, então é para anular o acordo como um todo.

E as garantias dos trabalhadores não são colocadas em risco?

Todas as normas garantidoras de direito do trabalhador estão sendo interpretadas de forma rígida. Agora, a pretensão do trabalhador que não conta com base legal, os tribunais estão dando, invocando princípios genéricos de Direito, como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio do in dubio pro operário. Mas alguns desses princípios têm baixa densidade normativa. Como vou extrair de um princípio genérico uma obrigação concreta de conteúdo econômico? Nós tínhamos que prestigiar a negociação coletiva e ser parcimoniosos na aplicação desses princípios mais genéricos de direito do trabalho para melhorar as relações de trabalho.

Qual a sua opinião com relação à PEC do Trabalho Escravo?

Eles colocaram dentro de um mesmo balaio uma série de condutas que, somadas, po­de-se dizer que constituem trabalho escravo. E aí a PEC se justificaria no sentido de que, se está explorando dessa forma, vai ser punido. Agora, o que ficou na norma do Código Penal é que é o problema. Você cria uma PEC para dar uma punição muito grave para quem explora o trabalho escravo, mas a conduta hoje do trabalho escravo supõe ações como falta de liberdade de ir e vir, jornada estafante, condições precárias. Cada uma delas isolada pode ser considerada trabalho escravo. Ora, jornada estafante eu tenho. O trabalho involuntário é que a característica fundamental do trabalho escravo. É preciso que se mude o tipo penal de trabalho escravo para que as condutas não sejam consideradas isoladamente, mas conjugadas. Senão é uma injustiça dar uma punição tão pesada para alguém que pode eventualmente estar incorrendo em alguma coisa que o juiz subjetivamente interprete como não compatível com a dignidade da pessoa humana, quando não está absolutamente caracterizando trabalho escravo.

O senhor tem um livro sobre o aborto.

Aí está em jogo um tema de direito humano fundamental, o direito à vida. No momento em que o Supremo Tribunal Federal relativiza o principal, maior e fundamento de todos os direitos fundamentais, o resto que for julgar é perfumaria. Se você relativizou o direito à vida, a partir daí você relativiza tudo.

Está se referindo ao caso do aborto de fetos anen­cefálicos?

Não só, mas também ao caso das pesquisas com célu­las-tronco embrionárias. A própria ciência veio a mostrar que as células-tronco não embrionárias são muito mais eficazes, têm dado resultado. Mas era importante para um determinado seguimento da sociedade que fosse aprovada a lei, que chegou ao Supremo, para abrir a porta para o aborto. Aí começa a dizer que pode abortar, desde que seja pequenininho, e chega ao caso da Inglaterra, onde a diferença de um aborto e uma cesariana é praticamente nenhuma, porque no oitavo mês de gestação é possível abortar.

O senhor tem um livro sobre "O Senhor dos Anéis". Como é?

Li todos os livros da saga, além da trilogia principal. Para ler o último livro, eu precisava ter uma visão geral de toda a obra, senão não seria possível ler, porque são contos que vão completando o quadro. Então fiz um resumo pra mim. A editora que publicava meus livros de Direito do Trabalho me perguntou por que eu não publicava o resumo. Foi dessa forma que saiu o livro "O mundo O senhor dos anéis, a vida e obra de J. R. R. Tolkien". Agora com o filme do Hobbit, volta o interesse para quem quer conhecer o substrato dessa obra de ficção do cinema sem ter que ler os livros todos. E eu, como corregedor, preciso harmonizar a relação dos juízes entre si. Nessas horas, nada melhor do que pegar a literatura, com um mundo de fantasia, mas que tem um fundo de relacionamento humano, de virtudes, de miséria. Acabei escrevendo outro livro também, "Ética e Ficção", no qual eu pego as principais questões éticas, e na hora de dar exemplo eu uso obras de literatura, principalmente do "Senhor dos Anéis".

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