| Foto: Hugo Harada/ Gazeta do Povo

A crise econômica espanhola tem efeitos sobre o direito administrativo do país e as normativas referentes à matéria acabam por ser aplicadas com mais intensidade. Essa conjuntura foi apresentada pela professora da Universidade de Vigo, na Espanha, Patricia Valcárcel Fernández em entrevista à Gazeta do Povo durante uma visita a Curitiba. Ela esteve no Brasil para o Congresso Internacional de Contratação Pública, realizado na Universidade Federal do Paraná (UFPR), no fim de 2012. Patricia integra o Observatório da Contratação Pública na Espanha e foi pesquisadora visitante em Nottingham, na Inglaterra. A professora de direito administrativo também explicou que as normas da União Europeia têm auxiliado a consolidação do setor de contratação pública espanhol.

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Hoje há uma unificação da Espanha com a União Europeia na questão dos contratos?

A Espanha, ao fazer parte da UE, tem por obrigação seguir as normas em matéria de contratação pública. Essas normas são obrigatórias para todos os Estados membros e se centram fundamentalmente no aspecto da adjudicação dos contratos. É uma normativa de pontos mínimos que os Estados têm de respeitar e têm liberdade para legislar sobre outros aspectos que são mais de caráter nacional e que não são tratados na lei comunitária. A norma comunitária se centra, sobretudo, na fase de adjudicação do procedimento contratual. A partir daí, os Estados membros podem seguir ditando normas em matéria de contratação mais próprias da sua tradição nesse setor.

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Essa parte obrigatória tem sido boa para a Espanha?

Essa parte obrigatória está provocando uma harmonização na prática de todas as regras de adjudicação de contratos na UE. Do ponto de vista da finalidade pretendida, que é favorecer princípios como os de concorrência, igualdade e de não discriminação por nacionalidade entre as empresas dos distintos Estados, naturalmente a normativa da UE tem contribuído para criar, consolidar um mercado único no setor da contratação pública. Do ponto de vista do alcance e do respeito a esses princípios que são fundamentais nos tratados da UE, a normativa comunitária está sendo positiva.

Ocorreram muitas mudanças no direito administrativo da Espanha por conta da crise?

Não é que se tenha criado uma normativa por causa da crise, para tentar parar ou corrigir os efeitos da crise. É certo que a crise incide na aplicação que se dá às normas já existentes. Mas não tanto no direito administrativo como em outras áreas do direito em que a crise está fazendo com que surjam novas normativas. Em matérias de fraude fiscal, estão editando normas de direito financeiro, especialmente criadas neste momento de crise. No direito administrativo, isso tem a ver, sobretudo, com a aplicação de normas que já existiam, não tanto com as novas.

Que tipos de normas tiveram que começar a ser mais aplicadas agora?

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Falando de contratação pública, talvez não tivemos uma mudança de legislação adaptada à crise, mas uma reorganização do poder, verificando se é necessária uma eliminação de certos níveis territoriais. Isso quer dizer uma mudança normativa administrativa que está tramitando e tem a ver com a organização territorial e com o tipo de competências que assumem certas administrações públicas que se está questionando se têm que ser mais ou menos em função da conjuntura de crise. Aí pode ser necessária uma modificação na normativa administrativa a fim de evitar que se desperdice dinheiro com duplicidade, ou seja, mais de um órgão da administração pública atendendo ao mesmo tipo de questão. Uma mudança importante, que tem uma natureza, sobretudo, financeira, mas que tem uma consequência administrativa e na administração, foi a modificação incluída na própria constituição para implementar e incluir o princípio de estabilidade orçamentária. Isso pode requerer uma necessidade de fazer uma valorização para conseguir uma utilização dos fundos públicos mais eficiente e que não haja um incremento excessivo da dívida pública e do déficit público. Essas normas de natureza orçamentária e de natureza financeira estão e vão ter uma consequência no plano do direito administrativo.

A senhora estudou em Nottingham? Qual era a linha de pesquisa?

Estudei como enfrentam os problemas oriundos da necessidade de incrementar a transparência e a concorrência nos procedimentos de contratação pública. Limites para a publicidade, transparência e concorrência nas contratações públicas.

Hoje, como está a transparência das contratações na Espanha?

Tem melhorado muito, mas há margem para um incremento de mecanismos que favoreçam a transparência e resultem em uma maior concorrência entre os licitadores, entre as pessoas interessadas em participar de adjudicação. Aspectos como, por exemplo, uma lei de transparência e bom governo estão sendo elaborados. E algumas das previsões que se incluem nessa lei têm a ver com o incremento de informação que se coloca à disposição de particulares em processo de licitação pública. É um aspecto que está sendo elaborado e está tendo bastante relevância. E o governo espanhol possibilitou um período de formação para os que estivessem interessados pudessem fazer sugestões ao anteprojeto de lei. Eu faço parte do Observatório da Contratação Pública na Espanha, e nós do Observatório apresentamos uma série de sugestões para incrementar a transparência nos processos de contratação pública. O governo assumiu boa parte das sugestões que fizemos no projeto que finalmente será apresentado nas cortes gerais.

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Então, ainda com a crise, o direito administrativo segue evoluindo?

Sim. Esperamos que a crise seja uma conjuntura da qual saiamos antes cedo do que tarde, pois está tendo uma consequência no âmbito social e, por conseguinte, pela demora em se colocar em prática alguns aspectos administrativos, mas não interfere no que é a evolução da própria disciplina.