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 | Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo
| Foto: Ivonaldo Alexandre/ Gazeta do Povo

Uma das primeiras atribuições da até então advogada Delaíde Alves Miranda Arantes, após ser indicada, em 2010, para ser ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi a de representar o Brasil em uma conferencia que discutia regras a respeito da dignidade do trabalho doméstico para a convenção que viria a ser assinada pela nação na Organização Mundial do Trabalho (OIT).

Na ocasião, ao discursar para os demais representantes da OIT a goiana Delaíde, então, discursou com conhecimento de causa. Deu seu testemunho pessoal.

Nascida na zona rural de Goiás, onde viveu até os 14 anos, ela mudou-se para a cidade Pontalina a 139 km de Goiânia. Lá, durante, três anos trabalhou como empregada domestica para custear a conclusão do então chamado curso ginasial. Depois, em Goiânia, voltou a trabalhar como doméstica até entrar na faculdade de Direito, quando passou então estagiar em um escritório trabalhista, ramo que seguiu na advocacia durante 30 anos.

"Foi a conclusão de um ciclo. Quando se discutia a necessidade de garantir a necessidade de estudo dos empregados domésticos eu pude dar o meu testemunho pessoal em nome do Brasil para todos os outros representantes das nações e influenciar a decisão", orgulha-se.

A ministra de fala doce e aparência frágil esteve em Curitiba no mês de junho para participar de um seminário sobre a valorização das negociações coletivas na atuação dos sindicatos. Ela passou pela redação da Gazeta do Povo e concedeu uma entrevista ao Caderno Justiça & Direito.

Ela defendeu a criação de normas próprias para o processo do trabalho, o pagamento de honorários advocatícios na Justiça do trabalho e a atuação dos sindicatos. Como foi indicada ao TST pela cota da advocacia no quinto constitucional, ela disse, ainda, representar os interesses da advocacia no tribunal. "Durante todo o tempo em que eu estiver exercendo a função de ministra, eu vou fazê-lo sob a perspectiva da minha origem que é a advocacia", garantiu.

Em relação a sua origem pessoal, apesar de todos os seus esforços para construir a sua carreira, a ministra permanece simples e prefere agradecer as oportunidades que teve. "Falam de minha força de vontade, mas não é só isso. Tive sorte de ser ajudada por pessoas, pelo Direito e por Deus."

Há quem diga que o movimento sindical brasileiro está em crise. A senhora concorda?

Tenho um posicionamento diferente. Não considero que o movimento esteja em crise, o movimento sindical passa por um momento de transição que exige outra perspectiva. O Brasil está vivendo uma experiência de crescimento econômico que propicia mobilidade dos trabalhadores no ambiente de trabalho. Temos felizmente uma taxa de empregos elevada e as entidades sindicais precisam estar atentas para acompanhar estas modificações. Com relação à negociação coletiva, a emenda constitucional 45 trouxe algumas alterações que eu considero que não foram benéficas para os trabalhadores, como a exigência da concordância da entidade patronal para o ajuizamento do dissídio coletivo.

Por quê?

Quando acontece o dissídio coletivo é porque as partes não conseguiram firmar um acordo antecipado. Essa mudança, então, trouxe um prejuízo grande para os trabalhadores, porque diversas categorias não conseguem obtê-lo, pois nem sempre há concordância da entidade patronal. Existem algumas arguições de inconstitucionalidade no STF em relação a isso. Uma das ações, inclusive, é subscrita por mim, quando eu era advogada.

O que seria o ideal para negociação sindical?

No Brasil, é preciso evoluir em termos de negociação coletiva. Criar uma cultura maior, investir em sindicatos mais fortalecidos, mais representativos da categoria, pois a boa negociação coletiva vem como consequência deste fortalecimento.

O Judiciário brasileiro, de uma forma geral, é mais simpático aos trabalhadores ou aos empregadores?

Não vejo que haja uma predisposição. Nem esta é a grande questão. Tanto o Ministério Público, quanto o Poder Judiciário, têm o seu papel para contribuir com o movimento sindical. A negociação coletiva é muito importante, pois é o acordo das partes, que muitas vezes tem maior conhecimento do que a sociedade civil. Uma cultura da negociação só vem com maior participação de trabalhadores no movimento sindical.

Há uma proposta da CUT que prevê que sindicatos só devem ser representados se atingiram um determinado número de filiados...

Eu considero que tudo o que for feito – leis ou regulamentos –, dentro do nosso sistema democrático, de liberdade sindical, de ampla liberdade de expressão e manifestação, para a união dos trabalhadores rumo a uma negociação proveitosa, é válido e bem-vindo.

O país vive um momento de reforma legislativa em várias áreas. Neste contexto, a senhora defende a criação de um Código de Processo do Trabalho?

Eu acho que seria importante. Já participei, inclusive, de uma discussão na OAB a respeito disso. O processo civil serviu de base do Processo do Trabalho e vários princípios do processo do trabalho estão hoje no Código de Processo Civil. Hoje, discute-se a aplicação e não aplicação de alguns dos artigos do CPC, mas esta discussão é muito demorada, portanto seria bom até para criar mecanismo para agilizar a solução dos processos.

Qual é a maior dificuldade da Justiça do Trabalho no país atualmente?

Tem uma equação que uma hora a sociedade, o Judiciário, o MP e a OAB vão precisar encontrar o resultado. Garantir o direito amplo de defesa, expresso na Constituição, e, ao mesmo tempo, acabar com alguns recursos que são manejados para ganhar tempo. O TST tenha hoje em torno de 30 mil processos aguardando o STF decidir a respeito de temas que foram acolhidos como de repercussão geral. Precisamos pensar e dialogar a respeito sobre quais são as alternativas, que façam com que o processo seja ágil.

Qual é o volume de trabalho de uma ministra do TST?

Eu, quando assumi, há um ano e três meses, havia um gabinete com cerca de 12 mil processos. Além disso, são distribuídos em torno de 700 processos por mês. Eu tenho uma capacidade de julgamento de cerca de 900 por mês. Eu fico extremamente preocupada, pois são vidas – são 12 mil vidas que, dependendo de uma apreciação mal feita, pode resultar em falência ou em prejuízo para o trabalhador. Eu não sou daquelas que acha que o processo é um estorvo. Como julgadora, não tenho direito de julgar mal, ou querer julgar rápido apenas para me livrar do processo. A luta entre a quantidade e a qualidade é um problema que nós enfrentamos e levamos muito a sério. Não dá para julgar série. Corre-se o risco de cometer injustiças.

O que a senhora propõe para desafogar este volume?

Uma das saídas é a coletivização de ações. É muito importante. Sempre defendi, ainda como advogada, a coletivização de ações. Uma ação beneficia toda uma categoria. Outra ferramenta é a representação de sindicatos nas empresas para evitar o contencioso. Acho corretíssimo que o trabalhador procure a Justiça para tentar garantir os direitos dele, mas, se você criar uma alternativa de que ele não se sinta lesado, sem precisar movimentar a máquina, é melhor.

No ano passado, chamou a atenção uma decisão do TST que determinou que e-mail e telefonema fora de hora configura hora extra. Este assunto pode ser sumulado?

Tenho defendido no TST que precisamos encontrar formas de remunerar o trabalho decorrente do avanço tecnológico. Estamos muito acostumados com uma realidade que já não é mais aquela de outrora. Numa próxima discussão de jurisprudência, este assunto deve aparecer. Eu defendo sempre: se você está com telefone ou outra forma de comunicação e precisa ficar conectado, isto limita o seu direito de ir e vir e de descanso. Se você vai para um compromisso social na expectativa de ser localizado a qualquer momento, precisa existir alguma forma de compensação. Não está claro para mim ainda em que medida, mas os tribunais não podem se omitir disto.

A senhora defende uma mudança no pagamento dos honorários dos advogados trabalhistas?

Sim, é uma defesa minha. Na última semana de jurisprudência do TST [quando os ministros se reúnem para discutir os temas polêmicos ou não consensuais da jurisprudência da Corte], eu apresentei a questão. Teve uma alteração: os honorários advocatícios passaram a ser devidos nas ações rescisórias. E nas ações de substituição processual, os honorários assistenciais. Tem uma ação tramitando no Congresso para uma mudança mais ampla. Todo o processo que eu voto, em que há honorários advocatícios, eu faço a ressalva que eu só não voto pela condenação em honorários, porque existem duas súmulas me impedindo. Do meu ponto de vista, os honorários advocatícios deveriam ser pagos em razão da sucumbência.

Pode haver uma mudança então para a regra de pagamentos de honorários em questão trabalhista?

Posso responder pela discussão que tivemos no TST. A maioria dos ministros ainda entende a questão, amparada em lei, de que são devidos apenas honorários assistenciais e não os de sucumbência. A jurisprudência evolui muito lentamente, mas eu acho que o pagamento de honorário pode ser inclusive um filtro processual eficaz para evitar ações protelatórias. Eu sou uma ministra que representa a advocacia. Durante todo o tempo em que eu estiver exercendo a função de ministra, eu vou exercer sob a perspectiva da minha origem que é a advocacia.

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