Ficha técnica
Naturalidade: Curitiba- PR
Currículo: Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Pós-Doutor pela Universidade Estatal de Milão e na Columbia University School of Law. Também atua como procurador do estado do Paraná, advogado e parecerista.
Jurista que admira: Ovidio Batista da Silva
O que está lendo: O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota (Olavo de Carvalho)
Hobby: gosta do mar, de aproveitar o litoral, tem uma casa de praia em Governador Celso Ramos (SC)
Uma alternativa para trazer mais celeridade ao processo civil seria a mitigação do duplo grau de jurisdição. A proposta é do jurista Luiz Guilherme Marinoni e ele a apresentou durante o seminário Justiça em Números, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no final de 2013. Marinoni foi convidado com a finalidade de fazer uma análise teórica sobre o relatório que o Conselho apresenta anualmente. O professor de Direito Civil da UFPR sustenta que, em casos de menor complexidade, o juiz de primeiro grau tem condições suficientes para dar a sentença final. Marinoni recebeu a reportagem do caderno Justiça & Direito em seu escritório, em Curitiba, para explicar essa tese e também falou sobre a necessidade de existir um tribunal de precedentes.
O senhor aponta a mitificação do duplo grau de jurisdição como um dos problemas que geram demora na Justiça. Como reverter isso?
O duplo grau de jurisdição foi pensado para permitir o controle dos juízes de primeiro grau, que não mereciam confiança na época do direito liberal francês, no início do século 19. Nessa época os juízes ainda mantinham relações espúrias com o antigo regime. Com o passar do tempo, se verificou que isso não tinha o menor cabimento, que não havia razão para se desconfiar do juiz de primeiro grau ou supor que ele não tinha qualidade ou capacidade técnica para decidir sozinho determinadas demandas que dissessem respeito a fatos ou tivessem um contorno menos complexo. Em praticamente todos os países do mundo, existem mitigações ao princípio do duplo grau, existem causas em que o duplo grau não está presente. Até porque se percebeu que dois juízos repetitivos sobre o mérito duplicam o tempo de demora para a definição do conflito.
O senhor diz em um texto seu que o primeiro grau vira uma antessala do segundo grau...
Na verdade, quando toda e qualquer causa tem que ser submetida ao duplo grau, o juiz de primeiro grau acaba sendo o instrutor da única e verdadeira decisão que passa a ser a decisão do tribunal. O primeiro grau acaba servindo só como meio para se colher a prova sobre os fatos. E daí sim: uma antessala à espera da única e verdadeira decisão, que é a decisão do tribunal. E pior ainda: como se sabe que, em relação aos fatos, a decisão do juiz que tem contato imediato com a parte, com a testemunha e com o perito, é sempre melhor que a decisão do tribunal, em razão da oralidade. Então não tem motivo nenhum para você duplicar a apreciação do mérito, redobrar o tempo do processo, para causas que são de menor complexidade e dizem respeito a fatos. Na prática, como os tribunais não têm tempo de apreciar os milhares de recursos que vão para lá, quem acaba apreciando as causas mais fáceis é a assessoria. Então, nós temos que pôr o dedo na ferida. Vamos deixar só o juiz de primeiro grau, para eliminar o custo do processo, o custo do recurso, o tempo do recurso que prejudica as partes e prejudica sobretudo a administração da Justiça.
Essa proposta não iria contra o direito ao devido processo legal?
Não, de maneira nenhuma. Só no Brasil que isso acontece. Isso é um problema, não tem a ver com regra, não tem isso na Constituição. Alguns doutrinadores dos anos 1980 tinham uma ideologia garantista, uma ideologia liberal, que fazia supor que sem uma ampla garantia de recursos, uma ampla análise da causa, não seria possível se garantir a ampla defesa. É óbvio que não se viola a ampla defesa quando se dá ao demandado em uma ação que tem menor complexidade, ou que diz respeito a fatos que podem ser facilmente esclarecidos, toda oportunidade de prova e de alegação. A questão é a seguinte: duplo juízo sobre o conflito só deve existir em casos excepcionais, não em regra. No Brasil, o duplo juízo é a regra. Enquanto essa for a regra, não há como se falar na possibilidade de justiça civil efetiva. Por que razão uma causa de R$ 5 mil vai só para um juiz e uma causa de R$ 5 milhões vai para mais juízes? É porque se teme que possa acontecer alguma coisa com a causa com o valor maior. Mas tudo bem, isso é até razoável, é até racional que você tenha duplo grau para essas causas de valor mais elevado.
Mas qual seria o critério para as exceções? Os valores das causas?
O que se tem em mente é garantir uma maior segurança à parte, uma melhor qualidade nas decisões do Poder Judiciário. Mas seria também razoável uma racionalização de duplo grau nas causas de menor complexidade e de menor valor econômico. Levar em conta também a complexidade, a natureza da causa. Por exemplo, um acidente de trânsito. Você sabe que é uma causa que diz respeito somente ao acertamento dos fatos litigiosos. Então, não é melhor que um juiz só, que ouve as várias testemunhas e as duas partes, resolva sozinho? Ou um despejo por falta de pagamento, por exemplo, em que a questão é saber se foi pago ou não foi. Existem ações dessas que demoram 20 anos e, é claro, o Judiciário fica desacreditado. Essas questões que envolvem o dia a dia, relações de consumo, de vizinhança, acidentes de trânsito, de locação, essas causas menos complexas é que têm que ser resolvidas o quanto antes.
O senhor também fala sobre a necessidade de uma corte de precedentes. Como funcionaria na prática?
Todo texto legal abre oportunidade para duas ou três interpretações. Então, se começou a perguntar: se a lei abre oportunidade para mais interpretações e o jurisdicionado deve agir a partir da interpretação que foi definida pela corte superior? O que é o direito? É a lei ou a interpretação? É claro que o direito é a interpretação e não é a lei. O Judiciário é um poder que interpreta a lei. E que, portanto, colabora com a construção do direito ao lado do Parlamento. O Judiciário é um colaborador do Parlamento para a frutificação do direito, mas não um servo. Se ele é um colaborador é porque ele dá sentido ao texto legal. É preciso que dentro da estrutura do Judiciário exista uma corte que defina qual a interpretação do texto legal que prevalece exatamente porque cada juiz pode ter uma interpretação do texto. É preciso que prevaleça um direito único, as cortes supremas deixaram de ter a função de tutela da lei e passaram a ter a função de definição do sentido da lei.
O STJ está sendo essa corte de precedentes?
Hoje ainda não é uma corte de precedentes exatamente porque ele mesmo não respeita as próprias decisões pretéritas. Mas o futuro do direito, a racionalidade da administração da justiça depende de que o STJ se torne uma corte de precedentes, se torne uma corte que atribui sentido ao direito, que firma precedentes. Claro, não significa que o STJ não vá poder revogar seus próprios precedentes quando verificados os pressupostos necessários. Mas quem vai ter o poder para revogar o precedente em princípio é só a própria corte que o firmou, não os tribunais inferiores. Os tribunais de justiça não foram idealizados para interpretar a lei. Pouco importa como os tribunais de Justiça pensam, porque não é função deles divergir da interpretação do STJ.
E se a parte achar que o tribunal de justiça está errado?
O problema é o seguinte: sempre alguém vai achar que o tribunal está errado. Geralmente é a parte que perde. A questão é você continuar vendo que quando os tribunais de justiça ou os tribunais regionais federais erram, você tem que se agarrar à corte suprema para fazer prevalecer a melhor decisão. Os jurisdicionados têm que se adaptar à ideia de que as causas são definidas nos tribunais de justiça e nos tribunais regionais federais.
Colaborou: Katna Baran
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