Ficha técnica
Natural de: Aracaju (SE)
Currículo: graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Ex-conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Vice-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Jurista que admira: Antonio Augusto Cançado Trindade
Livro que leu recentemente: O capital no século XXI, de Thomas Piketty
Nas horas vagas: brinca com os seis filhos e aprecia artes plásticas
Depois de assumir em janeiro de 2013 o posto de juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto de Figueiredo Caldas foi eleito vice-presidente da corte e vem tentando aproximá-la do Brasil. Segundo ele, os profissionais do direito do país conhecem pouco esse tribunal. O advogado, durante passagem por Curitiba para ministrar aula magna na UniBrasil, também reforçou a necessidade de inclusão da disciplina de direitos humanos como obrigatória nos cursos de Direito pelo país. Em entrevista ao Justiça&Direito, Caldas avalia também o estágio do Judiciário brasileiro e critica as tentativas de flexibilização das leis trabalhistas.
Qual balanço pode ser feito desse seu primeiro ano como membro da corte?
Esse primeiro ano e meio foi de muito trabalho. Creio que o aporte brasileiro à corte é muito importante, não só pelo significado que o Brasil tem para a América Latina. Hoje se pode dizer que o Brasil é um líder efetivo, talvez o maior deles. E outros países sempre aguardam uma posição brasileira em diversas áreas. Na jurídica não é diferente. Nós até hoje tivemos apenas dois juízes, o anterior foi o juiz Antônio Augusto Cançado Trindade, que hoje é juiz na Corte de Haia. Após a sua saída, no fim de 2004, não tivemos juízes brasileiros apesar de o próprio sistema requerer que houvesse. Foi quando o Brasil me indicou e fui aprovado pela assembleia geral. Nesse período [de um ano e meio], além de manter uma jurisprudência bastante vigorosa e muito respeitada, avançamos do ponto de vista administrativo e observamos algumas carências sérias. A corte é conhecida aqui no Brasil?
Nesse primeiro ano também tive a tarefa de aproximar a corte do Brasil e creio que tive êxito. Houve dois encontros com a presidente Dilma Rousseff, uma sessão de julgamento aqui no Brasil, em novembro, que foi aberta no STF. Pela primeira vez na história, o STF modificou a arquitetura do plenário para acrescentar uma bancada no mesmo nível dos ministros para os juízes da Corte Interamericana, para mostrar a sua importância e que não há hierarquia entre os dois tribunais. Eles são complementares e estão no mesmo patamar. O diálogo com as cortes supremas e constitucionais é constante, porque interpretamos o Pacto de São José da Costa Rica, que eu costumo chamar de Constituição de direitos humanos das Américas e que é acolhido pela maioria dos países no mesmo patamar da sua Constituição Federal. Aqui no Brasil exigir o rito de emenda constitucional me parece um fator dificultador. Os juízes brasileiros olham pouco para as decisões da corte?
Na Europa, os países citam a Corte Europeia e a Corte Interamericana. Ela é muito citada lá e em países vizinhos ao nosso, como Argentina e Uruguai, mas o Brasil é dos que menos utiliza. Talvez pela dimensão continental e pelo distanciamento linguístico. No dia a dia forense, citar uma decisão da corte envolve traduzir o trecho para o português, o que já é um fator que dificulta mesmo para aqueles que conhecem. A Corte Interamericana e a Comissão Interamericana [os dois são órgãos do sistema interamericano de promoção dos direitos humanos]são muito pouco conhecidas. Nesse um ano e meio, houve um incremento muito grande. A presença da corte na mídia especializada aumentou muito, talvez até por esse caso da ação penal 470, o caso mensalão, em que alguns réus disseram que recorreriam ao sistema interamericano. Ainda há a grande contribuição que o Ministério da Justiça dará ao lançar 10 volumes de sentenças da corte traduzidas para o português, que será colocado à disposição do público em meio magnético também. Isso facilitará muito o conhecimento e a citação da corte pelos vários profissionais. O ensino jurídico no Brasil se preocupa com direitos humanos?
Aqui no Brasil há uma carência enorme nos currículos universitários que não têm como obrigatória a matéria de direitos humanos. É incongruente com a importância temática, até porque a Constituição abre seus capítulos falando de direitos humanos. É urgente que todas as faculdades tenham direitos humanos na grade curricular como matéria obrigatória. Recentemente, houve pesquisa no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que mostrou que mais de 80% dos juízes não tinham visto uma matéria de direitos humanos. Acredito que a inserção do Brasil no âmbito internacional levará a essa necessidade.
Na Europa, há acesso direto à corte europeia de direitos humanos, sem a necessidade de passar pela comissão como ocorre no sistema interamericano. Isso é um ponto negativo do sistema?
Na Europa havia uma comissão que foi extinta e a partir daí se permitiu o acesso direto à corte. A Comissão Interamericana tem um papel muito relevante a cumprir e o cumpre. Eles fiscalizam e fazem visitas aos Estados. Deveria haver um acesso mais simples do cidadão, mas às vezes o cidadão não utiliza o caminho que já há. É o caso da medida provisória, equivalente à nossa medida cautelar, que em casos graves pode ser utilizada. E sempre há o acesso via comissão. O nosso sistema precisa ser aperfeiçoado, porque está havendo uma demora muito grande para que os casos cheguem à corte e nós estamos dialogando com a comissão para que essa via possa ser aperfeiçoada. Hoje a Corte Europeia está abarrotada de processos e tendo que julgar alguns Estados por terem demorado em seus Judiciários enquanto ela própria tem um excesso de processos. Eles tiveram muitos problemas com a extinção da Comissão Europeia. O senhor foi membro de uma Comissão para a Reforma do Judiciário. O que ainda falta ser feito?
O Judiciário está melhor em uma série de aspectos, mas continua com problemas graves. Com a redemocratização e o maior acesso a informação pelas pessoas, nós tivemos uma busca enorme pelo Judiciário. Podemos falar não mais em reforma do Judiciário, mas em mudar o modelo. Como é hoje, com passos recursais extremamente alargados, gera um estoque de processos que torna o Judiciário ineficiente. Há um problema de autogestão grave, temos que encontrar forma de julgar processos muito mais rapidamente, em um ano. Se há parte do globo que consegue, por que nós não podemos conseguir? Nós estamos atrelados a um direito processual italiano que era fantástico há um século, mas que é absolutamente defasado neste momento. Temos que repensar o tamanho físico das sentenças. Elas têm que ser muito mais objetivas, não precisamos discutir teses acadêmicas numa sentença, nós temos que aplicá-las. Elas devem ser escritas para o cidadão e não para outros juristas. O senhor foi membro de uma comissão nacional para reforma trabalhista. Os direitos trabalhistas precisam ser flexibilizados?
Se nós tivéssemos um direito do trabalho plenamente aplicado, nós poderíamos começar a pensar em ver a realidade e conferir se ele está adequado. Até hoje, temos um grande número de trabalhadores sem a garantia dessas leis, sem sequer carteira de trabalho. Temos ainda, pela disparidade de renda e oportunidades, um direito do trabalho protetor da pessoa humana. O direito ao trabalho é um direito humano. É compreensível a manifestação de empresários que dizem que precisam encontrar formas de baratear produtos porque há um mundo em competição. Mas em que queremos competir? Queremos ter melhores condições e dignidade humana ou queremos maximizar lucros? Nosso foco é termos o crescimento do bolo econômico e depois repartir ou darmos direitos básicos, como respeito no local de trabalho e coibir fraudes, como registro de salário menor? Não podemos desatrelar o desenvolvimento econômico do humano. Vejo com preocupação quando se volta a discutir terceirização para todos os postos de trabalho dentro de uma empresa e não como a jurisprudência trabalhista vem construindo. Não quero crer que o fator trabalho impacte nos custos das empresas de forma que as torne inviáveis.
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