Ficha técnica
Nacionalidade: Itália
Currículo: Professor emérito de Filosofia do Direito e de Introdução à Informática Jurídica na Faculdade de Direito da Università del Piemonte Orientale. Traduziu textos de Hans Kelsen do alemão para o italiano. Entre outros prêmios, ganhou o Prêmio Honeywell para o jornalismo científico (Milão, 1971);
Juristas que o inspiram: Norberto Bobbio e Hans Kelsen
O que está lendo: O tempo dos amores perfeitos (Tiago Rebelo)
Nas horas vagas: esportes nas montanhas; viagens; estuda história das tecnologias e das artes
Antes de ser entrevistado, o jurista Mario Losano pergunta quanto tempo devem durar as respostas. Após ser informado que pode ficar à vontade, ele insiste delicadamente e explica que não quer dar muito trabalho na edição, pois também já foi jornalista e conhece bem essa rotina. Estudioso de Hans Kelsen e tradutor da Doutrina Pura do Direito, Losano começou a ter contato com o autor alemão por meio de seu professor Norberto Bobbio. O acadêmico conversou com a reportagem quando esteve em Curitiba para um ciclo de palestras, no Departamento de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Durante a entrevista, ele falou também sobre a importância do estudo da informática jurídica, que é um de seus temas de pesquisa.
O senhor estuda Kelsen desde muito jovem. Como teve início o interesse pela obra dele?
Em 1960, o professor [Norberto] Bobbio que foi o meu professor na faculdade de Direito e com o qual eu trabalhei por 40 anos, com um gesto de confiança que até hoje me surpreende, me entregou a tradução da Doutrina Pura do Direito quando eu ainda me encontrava no terceiro ano da universidade. A partir desse momento eu me formei, de verdade, com o texto de Kelsen. Imagine, para alguém que tem 22 anos traduzir do alemão para o italiano o próprio Kelsen com a supervisão de Norberto Bobbio. É o máximo. Mas é também bastante difícil.
Como o senhor responde às críticas à Teoria de Kelsen, por exemplo, o fato de estar muito focada na letra da lei?
Eu não aceito as críticas que chamo de críticas externas. Kelsen realizou uma construção rigorosa da sua teoria. Mas, como todas as teorias, tem ponto de saída, que são axiomas aceitos. A divisão do mundo em "mundo do ser" e "mundo do dever ser", por exemplo: se você começa a dizer que "ser" e "dever ser" são elementos juntos, claramente cai toda a doutrina de Kelsen. Eu critiquei alguns pontos buscando dentro da doutrina de Kelsen os momentos nos quais a dedução lógica dos axiomas iniciais até as conclusões finais não é coerente com o próprio Kelsen. Essa é a única crítica científica que é possível fazer à doutrina de Kelsen, que considero limitada no tempo, vinculada ao momento no qual foi criada, é uma abstração do direito da monarquia da Áustria Hungria, que é o ponto biograficamente fundamental de Kelsen e ele não pode fugir dessa realidade. Mas, de toda maneira, é uma das doutrinas mais claras e fundamentais. Eu até hoje continuo usando o pequeno livro de Kelsen de 1934, a primeira edição da Doutrina Pura do Direito, que é um concentrado perfeito da doutrina de Kelsen, com todas as vantagens e também com todos os defeitos, poucos, mas tem.
E como foi trabalhar com Norberto Bobbio? O que o senhor destaca do que aprendeu?
Desse período de vivência com Bobbio, destaco, do ponto de vista do conteúdo dos estudos, como já indiquei, o próprio Kelsen. O mais importante é o exemplo de Bobbio como professor e como homem político, a integridade total do ponto de vista pessoal e intelectual, que é uma herança difícil, mas fundamental.
O senhor foi um dos precursores da informática jurídica...
Na Itália, criei pela primeira vez um curso trienal só de Informática Jurídica, que junta o curso de direito com o curso de matemática. Os estudantes são do direito ou da informática. Os juristas ensinam o direito e os informáticos, a informática. É o curso trienal mais pesado na faculdade, mas é um curso que, com as dificuldades que temos hoje na Europa, entrega um lugar de trabalho a cada um que termina o curso. As faculdades de direito precisam ter pelo menos um curso de Informática Jurídica para chamar a atenção sobre os problemas que são muitos. Hoje, quem decide um pleito sobre contratos de informática ilícitos não são os advogados e os magistrados, mas são os peritos. Eles se juntam e o magistrado só assina porque não tem os conhecimentos técnicos para avaliar.
Como o senhor avalia o problema que tivemos Brasil com a espionagem dos Estados Unidos?
A coisa que mais surpreende é a surpresa que hoje, depois do Wikileaks, a discussão seja "existe uma espionagem". O primeiro artigo que eu publiquei na Alemanha sobre a espionagem eletrônica é de 1993. A essa altura, a desculpa dos espiões era para combater o crime organizado. Depois da queda do Muro de Berlim, os serviços secretos americanos ficaram sem trabalho na Alemanha. A partir desse momento, passaram a praticar espionagem econômica. Isso não é somente um problema de privacidade, é um problema de atentado à soberania dos Estados independentes. Eu concordo plenamente com a atitude dura da Dilma [Rousseff] e da [Angela] Merkel que desmarcaram as visitas aos EUA que tinham agendado. E Barack Obama negou uma coisa que depois foi patentemente demonstrada. Para ser um prêmio Nobel da Paz poderia fazer algo melhor.
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